Oração Ave Maria

Diário - Caderno I
A Misericórdia Divina na Minha alma

405 A madre superiora[218] disse-me: "Amanhã iremos ambas a Józefinek[219] - e a irmã terá a oportunidade de conversar com a madre geral". Fiquei muito feliz com isso. A madre geral[220] é sempre aquela mesma, cheia de bondade, de paz e do espírito de Deus. Tive uma longa conversa com ela. Fomos juntas para a oração do meio-dia.

406 Foi cantada a ladainha ao dulcíssimo Coração de Jesus. Nosso Senhor estava exposto no ostensório; em seguida vi o Menino Jesus, que saiu da Hóstia e veio repousar nos meus braços. Isso durou um breve instante; uma felicidade imensa inundava a minha alma. O Menino Jesus tinha a mesma aparência de quando tínhamos entrado na capelinha com a madre superiora, minha antiga mestra - Maria Józefa.

407 No dia seguinte, encontrava-me já na minha querida Vilnius. Oh, como me sentia feliz por já haver regressado ao nosso convento. Eu tinha a impressão de haver ingressado na vida religiosa pela segunda vez. Sentia-me imensamente feliz com a calma e o silêncio, que tão facilmente fazem a alma mergulhar em Deus, já que todos ajudam nisso, e ninguém perturba.

408 (170) Quaresma

Quando me concentro na Paixão do Senhor, frequentemente vejo Nosso Senhor na adoração, da seguinte maneira: após a flagelação, os carrascos levaram-No e tiraram-Lhe as vestes, que já se tinham colado às feridas. Ao tirarem Suas vestes, renovaram-se as Suas chagas. Em seguida, cobriram o Senhor com um manto de púrpura, sujo e rasgado, jogando-o sobre as chagas renovadas. Esse manto, apenas em alguns pontos, atingia os joelhos. Mandaram, então, que o Senhor se sentasse num tronco. Fizeram uma coroa de espinhos e colocaram-na na Sua santa Cabeça, pondo-Lhe ainda um caniço nas Suas mãos e zombando Dele. Inclinavam-se diante Dele como diante de um rei, cuspiam no Seu rosto, enquanto uns pegavam o caniço e Lhe batiam na cabeça, outros infligiam-Lhe dores esbofeteando-O ou, cobrindo-Lhe o rosto, davam-Lhe murros. Jesus suportava tudo em silêncio. - Quem compreenderá a Sua dor? Jesus olhava para o chão, e eu senti o que então estava acontecendo no dulcíssimo Coração de Jesus. Que toda alma reflita sobre o que Jesus sofreu nesse momento. Rivalizavam uns com os outros em insultos ao Senhor. Eu ficava refletindo de onde vinha tanta maldade no homem? E, no entanto, é o pecado que causa isso - encontrou-se o amor com o pecado.

409 Quando me encontrava em certa igreja com uma das irmãs, assistindo à santa Missa, senti a grandeza e majestade de Deus, senti que esse santuário estava impregnado de Deus. A Sua majestade me envolvia e, embora me atemorizasse, enchia-me de paz e alegria; conheci que nada pode resistir à Sua vontade. Oh, se todas as almas [soubessem] quem reside nos nossos santuários, não haveria tantas ofensas e tanto desrespeito nesses lugares santos.

410 Ó Amor eterno e inconcebível, peço-Vos uma graça, iluminai a minha mente com a luz do alto, dai-me a conhecer e apreciar todas as coisas de acordo com o seu valor real. Tenho a maior alegria na minha alma quando conheço a verdade.

411 (171) 21.03.1935. Muitas vezes, durante a santa Missa, vejo o Senhor na minha alma, sinto a Sua presença, que me envolve toda. Sinto Seu olhar divino, converso muito com Ele, sem dizer uma palavra. Sei o que deseja o Seu divino Coração e sempre faço o que mais Lhe agrada. Amo-O até a loucura, e sinto que sou amada por Deus. Nesses momentos, quando me encontro interiormente com Deus, sinto-me tão feliz que não sei expressá-lo. São momentos breves, porque a alma não os suportaria por mais tempo, teria que ocorrer a separação do corpo. embora esses momentos sejam muito breves, a sua força, que se comunica à alma, permanece por muito tempo. Sem o mínimo esforço, sinto um profundo recolhimento, que então toma conta de mim e não diminui, ainda que eu converse com as pessoas, nem me prejudica no cumprimento das obrigações. Sinto a Sua presença permanente sem nenhum esforço da alma, sinto que estou unida com Deus tão intimamente como uma gota de água se une com o imenso oceano.

Na quinta-feira passada, senti essa graça, ao final das orações, que durou, excepcionalmente, muito tempo - durante toda a santa Missa, de tal maneira que eu pensei que ia morrer de felicidade. Nesses momentos, conheço melhor a Deus e Seus atributos, e também conheço melhor a mim e a minha miséria e fico admirada por Deus se rebaixar tanto até a uma alma tão miserável como a minha. Após a santa Missa sentia-me toda mergulhada em Deus, consciente de cada olhar Seu no fundo do meu coração.

412 Perto do meio-dia, entrei por um momento na capela e novamente a força da Graça atingiu o meu coração. Enquanto permanecia em recolhimento, satanás pegou um vaso de flores e com raiva o jogou no chão com toda a força. Vi toda a sua cólera e inveja. Ninguém estava na capela. Por isso interrompi a oração, recolhi os pedaços do vaso quebrado e coloquei as flores no outro vaso. Queria colocá-lo depressa no seu lugar, antes que alguém entrasse na capela. Mas não foi possível, porque logo entraram a madre superiora[221], a irmã sacristã[222] e outras irmãs. A madre superiora ficou admirada vendo-me mexer em alguma coisa no altar, e (172) o vaso caído; a irmã sacristã mostrou o seu aborrecimento, e eu procurei não me explicar nem me desculpar. Ao anoitecer, porém, eu me sentia muito cansada, incapaz de fazer a Hora Santa, e pedi autorização à madre superiora para ir deitar-me mais cedo. Assim que me deitei, logo adormeci. Mas, lá pelas onze horas, satanás sacudiu a minha cama. Acordei em seguida e tranquilamente comecei a rezar ao meu anjo da guarda. Então vi as almas do purgatório fazendo penitência; tinham o aspecto de sombras, e entre elas, vi muitos demônios. Um deles procurava me incomodar, jogava-se em forma de um gato na minha cama e nos meus pés, e era tão pesado como se fossem várias arrobas[223].

Durante todo aquele tempo eu rezava o terço, e foi só ao amanhecer que essas figuras desapareceram e pude adormecer. De manhã, quando vim à capela, ouvi na alma a voz: Estás unida Comigo, nada temas; mas fica sabendo, Minha filha, que satanás te odeia; embora ele tenha ódio a toda alma, sente um ódio especial contra ti, porque arrancaste muitas almas do seu domínio.

413 Quinta-Feira Santa 18.04.[1935]

Esta manhã, ouvi as seguintes palavras: A partir de hoje até a Páscoa não sentirás a Minha presença, mas a tua alma ficará cheia de grande saudade - e imediatamente uma grande saudade inundou a minha alma. Experimentava a separação do amado Jesus e, quando veio o momento de receber a santa Comunhão, vi no cálice, em cada Hóstia, a face sofredora de Nosso Senhor. Desde esse momento, senti no meu coração uma [saudade] ainda maior.

414 Na Sexta-Feira Santa, às três horas da tarde, quando entrei na capela, ouvi estas palavras: Desejo que a Imagem seja venerada(173) publicamente. - Então vi Jesus agonizando na cruz em grandes dores, e do Seu Coração saindo os mesmos dois raios, tal como na Imagem.

415 Sábado. Durante as vésperas, vi Nosso Senhor brilhando como o sol, vestido de branco - e Ele me disse: Alegre-se o teu coração. Logo, unindou-me uma grande alegria e transpassou-me a presença de Deus, que é um tesouro indizível para a alma.

416 Quando a Imagem foi exposta,[224] vi o braço de Jesus fazendo um movimento, traçando um grande sinal da cruz. Nesse mesmo dia, à noite, quando me deitei na cama, vi como essa Imagem pairava sobre uma cidade, e essa cidade estava coberta de fios e de redes. À medida que Jesus ia passando, cortava todas essas redes e, no fim, traçou um grande sinal da cruz e desapareceu. Foi então que me vi cercada por uma multidão de figuras raivosas e inflamadas de grande ódio para comigo. De suas bocas saíam diversas ameaças, mas nenhuma delas me atingiu. Em seguida desapareceu essa aparição, mas por muito tempo não pude conciliar o sono.

417 26.04.[1935]. Na sexta-feira, quando estava em Ostra Brama, durante as solenidades em que a Imagem foi exposta, assisti ao sermão, que foi pronunciado por meu confessor [225]; o sermão tratava da misericórdia de Deus; era a primeira coisa que Jesus já há tanto tempo tinha exigido. Quando começou a falar sobre a grande misericórdia do Senhor, a Imagem tornou-se viva, e os raios atingiam os corações das pessoas ali reunidas, embora não na mesma medida; uns recebiam mais, outros menos. Uma grande alegria inundou a minha alma ao ver a graça de Deus.

(174) Então, ouvi estas palavras: Tu és testemunha da Minha misericórdia e ficarás pelos séculos diante do Meu trono como testemunha viva da Minha misericórdia.

418 Quando terminou o sermão, não esperei pelo final da cerimônia, porque tinha pressa de regressar à casa. Mas, mal havia dado alguns passos, surgiu diante de mim uma multidão de demônios que me ameaçavam com suplícios terríveis e podiam ouvir-se vozes: "Ela nos robou tudo aquilo que conseguimos com o trabalho de tantos anos". Quando lhes perguntei: "De onde vindes em tão grande número?" - responderam-me essas figuras maldosas: "Dos corações dos homens; não nos atormentes".

419 Vendo o seu terrível ódio para comigo, pedi a ajuda do anjo da guarda e imediatamente surgiu diante de mim a clara e luminosa figura do anjo da guarda, que me disse: "Não tenhas medo, esposa do meu Senhor, esses espíritos não te poderão fazer mal sem a permissão Dele". - Imediamente desapareceram os espíritos malignos, e o fiel anjo da guarda me acompanhou de maneira visível até a casa. Seu olhar era modesto e tranquilo, e de sua fronte brotava um raio de fogo.

Ó Jesus, eu desejaria trabalhar, ser atormentada e sofrer a vida toda por esse único momento em que vi a Vossa glória, Senhor, e o proveito das almas.

420 Domingo, 28.[04].1935

Dominica in Albis[226], ou Festa da Misericórdia do Senhor, encerramento do Jubileu da Redenção. Quando fomos para essa solenidade, o meu coração pulsava de alegria por essas duas solenidades estarem tão estreitamente unidas. Pedia a Deus misericórdia para as almas pecadoras. Quando estava terminando a celebração, e o sacerdote segurou o Santíssimo Sacramento para dar a bênção, vi Jesus tal como está pintado na Imagem. O Senhor deu a Sua bênção, e os dois raios espalharam-se pelo mundo inteiro. Então, vi uma claridade impenetrável sob a forma de uma casa de cristal, tecida de ondas de claridade inacessível (175) a qualquer criatura ou espírito. A essa claridade conduziam três portas. Nesse momento, Jesus, como aparece na Imagem, entrou nessa claridade - pela segunda porta, no interior da Unidade. É a Unidade Trina que é inconcebível, que é o Infinito. Então ouvi a voz: Essa Festa saiu do mais íntimo da Minha misericórdia e está aprovada nas profundezas da Minha compaixão. Toda alma que crê e confia na Minha misericórdia irá alcançá-la. - Eu me alegrava imensamente com a bondade e a grandeza do meu Deus.

421 29.04.1935

Na véspera da exposição dessa Imagem, fui visitar, com a madre superiora, o nosso confessor [227]. Quando a conversa recaiu sobre a Imagem, o confessor pediu que alguma das irmãs ajudasse a fazer as grinaldas. A madre superiora respondeu: "A irmã Faustina ajudará". - Fiquei imensamente feliz com isso. Quando voltamos para casa, comecei logo a preparar ramos verdes e a juntá-los com a ajuda de uma das educandas. Ajudou-nos também uma outra pessoa que trabalha na igreja. Às sete horas da noite, estava tudo pronto, e a Imagem já estava pendurada. Contudo, algumas senhoras repararam na minha presença, pois, com certeza, eu mais atrapalhava do que ajudava. No dia seguinte, perguntaram às irmãs: "Que bonita imagem é aquela e que significado tem? Certamente as irmãs devem saber, porque ontem uma das irmãs a estava enfeitando". As irmãs ficaram muito admiradas, visto que não sabiam de nada. Todas também queriam ver a Imagem, logo suspeitaram de mim, e diziam: "A irmã Faustina certamente deve saber de tudo".

Quando começaram a me perguntar, eu me calava, visto que não podia dizer a verdade. O meu silêncio era motivo para maior cuirosidade delas. Dobrei a minha vigilância para não mentir nem dizer a verdade, porque não tinha permissão para isso. Em face disso, começaram a manifestar-me descontentamento e censuravam-me abertamente dizendo: "Como (176) é possível que pessoas estranhas saibam sobre isso; e nós, nada". Começaram diversos julgamentos a meu respeito. Sofri muito por três dias, mas uma estranha força entrava na minha alma. Alegro-me por poder sofrer por Deus e pelas almas que conseguiram Sua misericórdia nestes dias. Vendo tantas almas que, nestes dias, conseguiram a misericórdia de Deus, nem me importo com as dificuldade e os sofrimentos, por maiores que sejam e ainda que tivessem que durar até o fim do mundo, visto que eles têm um fim, e as almas que assim se converteram [estão salvas] dos suplícios eternos. Senti uma grande alegria, vendo outros voltando à fonte da felicidade, ao seio da misericórdia de Deus.

422 Ao considerar o trabalho e a dedicação do padre Dr. Sopoćko nesta questão, eu admirava a sua paciência e humildade. Tudo isso custava muito, não apenas dificuldades e diversos dissaboras, mas também muito dinheiro e, no entanto, o padre Dr. Sopoćko cobriu todos os gastos. Noto que a providência divina o havia preparado para cumprir esta obra da misericórdia antes que eu pedisse isso a Deus. Oh, como são admiráveis os Vossos caminhos, ó meu Deus, e como são felizes as almas que seguem o chamado da graça de Deus.

423 Por tudo, a minha alma louva ao Senhor e glorifica a Sua misericórdia, porque Sua bondade não tem fim. Tudo passará, mas a Sua misericórdia é sem limites e sem fim e, embora a maldade chegue ao seu limite, na misericórida não há medida.

Ó meu Deus, até nos castigos que infligis à terra eu reconheço o abismo da Vossa misericórdia, porque, castigando-nos aqui na terra, Vós nos livrais do castigo eterno. Alegrai-vos, todas as criaturas, porque estais mais próximas de Deus na Sua infinita misericórdia do que o bebê junto ao coração de sua mãe.

Ó Deus, sois a própria compaixão, mesmo para os maiores pecadores, quando sinceramente fazem penitência! E, quanto maior o pecador, tanto maior direito tem à misericórdia (177) de Deus.

424 Em certo momento, 12.04.1935.

À noite, mal me tinha deitado na cama, logo adormeci, mas, assim como adormeci, mais depressa ainda fui acordada. Veio visitar-me uma pequena Criança e acordou-me. Pelo aspecto, essa Criança parecia ter um ano de idade. Admirei-me que falasse tão bem, pois crianças nessas idade não falam, ou falam muito confusamente. Era indescritívelmente bela, semelhante ao Menino Jesus, e disse-me estas palavras: Olha para o céu. - E quando olhei, vi estrelas brilhantes e a lua, e então perguntou-me essa Criança: Estás vendo a lua e as estrelas? - Respondi que estava vendo, e ela me respondeu com estas palavras: Essas estrelas são as almas dos fiéis cristãos, e a lua representa as almas religiosas. Repara que grande diferença de luz existe entre a lua e as estrelas; assim, também no céu há uma grande diferença entre a alma religiosa e a de um fiel cristão. - E disse mais: A verdadeira grandeza está no amor a Deus e na humildade.

425 Então, vi certa alma que se separou do corpo em terríveis tormentos [228]. Ó Jesus, quando começo a escrever isto, tremo toda, vendo os horrores que testemunham contra essa alma... Vi quando saíam de um abismo lamacento almas de pequenas crianças e de outras maiores, de uns nove anos; eram repugnantes e abomináveis, semelhantes aos mais horríveis monstros, a cadáveres em decomposição. Mas esses defuntos estavam vivos e testemunhavam, em alta voz, contra essa alma que estava agonizando; e alma que via agonizando era uma alma cheia de honras e aplausos do mundo, cujo fim é o vazio e o pecado. Por fim, surgiu uma mulher, como que segurando as lágrimas no seu avental, e que também testemunhava muito contra essa alma.

426 Ó hora tremenda (178), na qual somos obrigados a rever todos os nossos atos em toda a nudez e [miséria]! Não se perde nenhum deles, e nos acompanharão fielmente ao Juízo de Deus. Não encontro palavras nem comparações para expressar coisas tão terríveis e, embora me pareça que essa alma não está condenada, seus tormentos em nada se diferenciam dos tormentos do inferno. Existe apenas a diferença de que um dia terminarão.

427 Um pouco depois, vi novamente aquela Criança que me tinha acordado; era extremamente bela e disse-me estas palavras: A verdadeira grandeza da alma está no amor a Deus e na humildade. Perguntei a essa Criança: "De onde sabes que a verdadeira grandeza da alma está no amor a Deus e a na humildade, pois só os teólogos conhecem coisas assim, e tu nem sequer estudaste o catecismo - como podes saber disso?". E ela me respondeu: Sei, e conheço todas as coisas - e nesse momento desapareceu.

428 Já não consegui dormir mais; a minha mente estava cansada com tudo o que vira - e comecei a refletir sobre tudo aquilo. Ó almas humanas, quão tarde reconhecereis a verdade. Ó abismo da Misericórdia Divina, derramai-Vos quanto antes sobre o mundo inteiro, de acordo com o que Vós mesmo dissestes.

429 Mês 05, ano de 1935. Em certo momento, quando percebi os grandes planos de Deus a meu respeito, assustei-me com a sua grandeza e senti-me inteiramente incapaz de cumpri-los; comecei a evitar interiormente conversas com Ele, substituindo esse tempo pela oração oral. Eu fazia isso por humildade, mas depressa reconheci que não se tratava da verdadeira humildade, mas de uma grande tentação de satanás. Quando, certo dia, em vez de oração interior comecei a ler um livro espiritual, ouvi na alma, clara e fortemente, estas palavras: Prepararás o mundo para a Minha última vinda. Fiquei profundamente emocionada com essas palavras e, embora fingisse (179) que não as tivesse ouvido, compreendi-as bem e não tinha qualquer dúvida a respeito delas. Quando, por fim, cansada por essa luta de amor a Deus e pela contínua escusa de que sou incapaz de cumprir esta missão, queria sair da capela, uma força me deteve, senti-me subjugada - e então ouvi estas palavras: Pretendes sair da capela, mas não conseguirás afastar-te de Mim, porque estou em toda parte; por ti mesma nada conseguirás fazer, mas Comigo tudo podes.

430 Quando, durante a semana, fui ter com meu confessor[229] e lhe desvendei o estado de minha alma e, em particular, o fato de estar evitando o diálogo interior com Deus, recebi a resposta de que não devo esquivar-me do diálogo interior com Deus, mas prestar atenção às palavras que me diz.

431 Procedi de acordo com a orientação do confessor e, no primeiro encontro com o Senhor, caí aos pés de Jesus e, com o coração desfeito, pedi perdão por tudo. Então Jesus levantou-me do chão, colocou-me ao Seu lado e permitiu-me encostar a cabeça no Seu peito, para que eu pudesse compreender e sentir melhor os desejos do Seu dulcíssimo Coração. E então Jesus disse-me estas palavras: Minha filha, nada temas, eu estou sempre contigo; todos os teus adversários só poderão prejudicar-te na medida em que Eu o permitir. És a Minha morada e o Meu permanente descanso; em atenção a ti, deterei o braço que castiga e, por ti, abençoo a terra.

432 No mesmo momento, senti uma espécie de fogo no meu coração, tive a sensação de que até os sentidos me abandonavam, não sabia o que estava acontecendo em volta de mim. Senti que me transpassava o olhar do Senhor; estava bem ciente da Sua grandeza e da minha miséria; ao mesmo tempo em que um estranho sofrimento invadia a minha alma, havia também uma tal alegria que não seria capaz de comparar com o que quer que fosse: senti-me dominada no abraço de Deus; senti que estava Nele e dissolvia-me como uma gota d'água no oceano. Não sei exprimir o que estava vivendo. Após uma tal oração interior comecei a sentir força e coragem para praticar as virtudes mais difíceis; senti aversão a todas as coisas que o mundo tem em consideração e desejei com toda a alma a solidão e o silêncio.

433 (180) 05.[05].1935. Durante a celebração dos quarenta dias[230], vi a face de Nosso Senhor na Hóstia santa, que estava exposta no ostensório; Jesus olhava bondosamente para todos.

434 Frequentemente vejo o Menino Jesus durante a santa Missa. É imensamente belo e, quanto à idade, parece como se tivesse cerca de um aninho. Quando uma vez, na nossa capela, vi o mesmo Menino durante a santa Missa, apoderou-se de mim um desejo louco e uma vontade irresistível de aproximar-me do altar e pegar o Menino Jesus. No mesmo instante, o Menino Jesus colocou-se ao meu lado no canto do genuflexório e com ambas as mãozinhas segurava-se no meu ombro - gracioso e feliz, o olhar profundo e penetrante. Contudo, quando o sacerdote fracionou a Hóstia, Jesus colocou-se no altar e foi partido e consumido por esse sacerdote.

Após a Comunhão, vi o mesmo Jesus no meu coração e sentia-O durante o dia todo, fisicamente, realmente no meu coração. Um recolhimento mais profundo envolvia-me insconscientemente e não dirigia a qualquer pessoa uma palavra sequer, evitando tanto quanto podia a presença das outras pessoas; respondia apenas às perguntas que se referiam às obrigações e, fora disso, nenhuma palavra.

435 09.06.1935. Pentecostes. À noite, quando caminhava pelo jardim, ouvi estas palavras: Pedirás com tuas companheiras a misericórdia para ti e para o mundo. Compreendi que não permanecerei na congregação na qual estou atualmente [231]. Via, claramente, que a vontade de Deus a meu respeito era outra; contudo, escusava-me, incessantemente, diante de Deus, dizendo que era incapaz de cumprir essa obra. - "Jesus, Vós sabeis muito bem o que eu sou" - e comecei a enumerar diante do Senhor as minhas fraquezas e me escondia por trás delas, para que aceitasse as minhas escusas, por ser incapaz de cumprir (181) os Seus planos. Então ouvi estas palavras: Não tenhas medo. Eu mesmo completarei tudo o que te falta. Essas palavras atingiram-me profundamente e conheci mais ainda a minha miséria, conheci quanto a palavra do Senhor é viva e nos transpassa até o âmago. Compreendi que Deus estava exigindo de mim um tipo de vida mais perfeito, mas sempre me escusava com a minha incapacidade.

436 29.06.1935. Quando conversava com o diretor [232] da minha alma sobre diversos assuntos que o Senhor exigia de mim, pensei que me responderia que eu seria incapaz de cumprir essas coisas e que Nosso Senhor não utilizava almas tão miseráveis como a minha para as obras que deseja realizar. Ouvi, porém, palavras de que Deus, na maioria das vezes, escolhe justamente almas assim para a realização de Seus desígnios. Esse sacerdote, por certo guiado pelo Espírito de Deus, perscrutou o mais íntimo da minha alma e os segredos mais ocultos que havia entre mim e Deus, sobre os quais nunca lhe havia falado. E não o falara, porque eu mesma não os tinha compreendido bem, e o Senhor não me havia ordenado claramente que falasse sobre isso. Esse segredo é que Deus está exigindo que haja uma congregação que proclame ao mundo a misericórdia de Deus e Lhe peça essa misericórdia para o mundo. Quando esse sacerdote me perguntou se eu não tinha inspirações a esse respeito, respondi que ordens claras eu não tinha, porém, imediatamente uma luz invadiu a minha alma e tive a compreensão de que era realmente o Senhor que me falava através dele.

437 Em vão me defendia, dizendo que não tinha uma ordem expressa, porque, no fim da conversa, vi Nosso Senhor no limiar da porta, na mesma forma em que está pintado nessa Imagem, que me disse: Desejo que haja uma tal congregação[233]. Isso durou apenas um instante. (182) Não lhe contei isso, pois tinha pressa de voltar para casa e sem cessar repetia ao Senhor: "Eu sou incapaz de cumprir os Vosso desígnios, ó Deus". É estranho, porém, que Jesus não prestasse atenção a esse meu lamento, mas concedeu-me luzes e entendimento de quanto Lhe era agradável essa obra. Ele não levou em conta a minha fraqueza, mas deu-me a conhecer quantas dificuldades eu teria que superar. E eu, sua pobre criatura, nada mais sabia dizer a não ser que "sou incapaz, ó meu Deus".

438 30.06.1935. No dia seguinte, já no início da santa Missa, vi Jesus, em beleza indizível. Disse-me que exigia que - essa congregação seja fundada quanto antes - e tu viverás nela com as tuas companheiras. O Meu espírito será a regra da vossa vida. Vossa vida deve modelar-se pela Minha desde a manjedoura até a morte na cruz. Mergulha nos Meus mistérios e conhecerás o abismo da Minha misericórdia para com as criaturas e a Minha insondável bondade - e a darás a conhecer ao mundo. Através da oração, serás medianeira entre a terra e o céu.

439 Nesse instante, veio a hora de receber a santa Comunhão: Jesus desapareceu e vi uma grande claridade. Então, ouvi estas palavras: Concedemos-te a Nossa bênção - e, imediatamente, daquela claridade saiu um raio fulgurante e atravessou o meu coração. Um fogo estranho acendeu-se na minha alma - pensei que morreria de alegria e felicidade; sentia a separação entre o espírito e o corpo, sentia uma total absorção em Deus, sentia que estava sendo arrebatada pelo Todo-Poderoso, como um pozinho em vastidões desconhecidas.

Estremecendo de felicidade no abraço do Criador, sentia que Ele mesmo me sustentava para que eu pudesse suportar essa imensa felicidade e olhar para a Sua majestade. Sei agora que, se (183) antes Ele mesmo não me fortalecesse com a graça, minha alma não suportaria essa felicidade e imediatamente ocorreria a morte. A santa Missa terminou não sei quando, visto que não estava no meu poder prestar atenção no que estava acontecendo na capela. Contudo, quando voltei a mim, sentia força e coragem para cumprir a vontade de Deus. Nada me parecia difícil e, como antes, me escusava diante do Senhor, assim agora sentia a coragem e a força do Senhor, que estava em mim, e disse ao Senhor: "Estou pronta para qualquer aceno da Vossa vontade". - Passei interiormente por tudo o que experimentarei no futuro.

440 Ó meu Criador e Senhor, eis aqui todo o meu ser. Disponde de mim de acordo com o Vosso divino agrado, de acordo com os Vossos planos eternos e com a Vossa insondável misericórdia. Que toda alma conheça como é bom o Senhor, que nenhuma alma tenha medo de conviver com o Senhor, que não se escuse com a sua indignidade e que nunca adie os convites divinos, porque isso não agrada ao Senhor. Não há alma mais miserável do que a minha, conforme me conheço verdadeiramente, e admiro-me que a majestade de Deus assim se rebaixe. Ó eternidade, parece-me que és curta demais para glorificar a infinita misericórdia do Senhor.

441 Em determinado momento, quando a Imgem estava exposta no altar, durante a procissão de Corpus Christi[234], e no momento em que o sacerdote expôs o Santíssimo Sacramento, o coral começou a cantar. Então, os raios da Imagem atravessaram a Santa Hóstia e espalharam-se pelo mundo inteiro. Nesse instante, ouvi estas palavras: Através de ti, como através dessa Hóstia, passarão os raios(184) da misericórdia para o mundo. - Após essas palavras, uma profunda alegria dominou a minha alma.

442 Em determinado momento, quando o meu confessor[235] celebrava a santa Missa como sempre, vi o Menino Jesus no altar, desde o Ofertório. Todavia, um pouco antes da elevação, desapareceu dos meus olhos o sacerdote e ficou só Jesus, o qual, quando se aproximou o momento da elevação, tomou a hóstia e o cálice nas Suas mãozinhas e levantou-os, juntos, olhando para o céu, e em seguida vi novamente o meu confessor. E perguntei ao Menino Jesus onde é que tinha estado o sacerdote durante aquele tempo, já que eu não o via. Jesus me respondeu: No Meu Coração. Mas eu nada mais pude compreender dessas palavras de Jesus.

443 Em determinado momento, ouvi estas palavras: Desejo que vivas segundo a Minha vontade, nas mais ocultas profundezas da tua alma. Fiquei refletindo sobre essas palavras, que atingiram fundo no meu coração. Nesse dia, havia a confissão da comunidade[236]. Quando fui confessar-me, depois de acusar-me dos meus pecados, esse sacerdote repetiu-me essas mesmas palavras que antes me tinha dito o Senhor.

444 O sacerdote disse-me estas profundas palavras, de que existem três graus no cumprimento da vontade de Deus: O primeiro é quando a alma cumpre tudo o que está exteriormente determinado pelas ordens e regulamentos; o segundo grau é quando a alma segue as inspirações interiores e as cumpre; o terceiro grau é quando a alma, entregue à vontade de Deus, deixa a Deus a liberdade de dispor dela, e Deus faz com ela o que Lhe apraz, sendo assim um instrumento obediente nas Suas mãos. E esse sacerdote me disse que eu me encontrava no segundo grau desse cumprimento da vontade de Deus e, no entanto, devo esforçar-me para atingir o terceiro grau da obediência à vontade de Deus. Essas palavras atravessaram-me profundamente a alma; vejo claramente que, muitas vezes, Deus dá ao sacerdote o conhecimento do que se passa no fundo da minha alma. Não me admiro disso absolutamente, mas, antes, rendo graças a Deus por haver tais eleitos.

445 Quinta-feira. Adoração noturna[237].

Quando cheguei para a adoração, logo me envolveu o recolhimento interior. Vi Nosso Senhor amarrado ao tronco e logo sobreveio a flagelação. Vi quatro homens que se revezavam em açoitar o Senhor com azorragues. O meu coração desmaiava só de olhar para esses suplícios. Então, o Senhor me disse estas palavras: Sofro uma dor ainda maior do que esta que estás vendo. E, Jesus deu-me a conhecer por quais pecados submeteu-se à flagelação: foram os pecados da impureza. Oh, por que terrríveis sofrimentos morais passou Jesus quando se submeteu à flagelação! - Então, Jesus me disse: Olha e repara bem o gênero humano na presente condição. E, imediatamente, vi coisas horríveis: afastaram-se os algozes de Nosso Senhor e vieram flagelá-Lo outras pessoas que seguravam nas suas mãos os chicotes e castigavam sem piedade o Senhor. Eram sacerdotes, religiosos e religiosas e os mais altos dignatários da Igreja, o que muito me surpreendeu. Havia leigos de diversas idades e classes - todos descarregavam sua maldade sobre o inocente Jesus. Ao ver isso, meu coração entrou numa espécie de agonia. E, quando O flagelavam os carrascos, Jesus se calava e olhava para longe, mas quando O flagelavam essas almas que mencionei acima, cerrava os olhos e um gemido surdo, mas terrivelmente doloroso escapava-Lhe do Coração. E o Senhor me fez conhecer, detalhadamente[238], a gravidade da maldade dessas almas ingratas: Estás vendo, este é o sofrimento maior que a Minha morte. Então, calaram-se também os meus lábios, comecei a sentir (186) em mim a agonia e senti que ninguém me consolaria nem me arrancaria desse estado a não ser Aquele que me introduziu nele. Então, o Senhor me disse: Estou vendo a dor sincera do teu coração que trouxe enorme alívio ao Meu Coração. Olha e consola-te.

446 Então vi Nosso Senhor pregado na cruz. Enquanto Jesus, por alguns momentos, estava suspenso nela, vi uma legião inteira de almas crucificadas da mesma forma que Jesus. E vi uma segunda e ainda uma terceira legião de almas. A segunda legião não estava pregada na cruz, mas essas almas seguravam firmemente a cruz em suas mãos. A terceira legião de almas, no entanto, não estava nem crucificada, nem segurava firmemente a cruz nas mãos. Essas almas arrastavam a cruz após si e estavam insatisfeitas. Então Jesus me disse: Estás vendo - essas almas que são semelhantes a Mim em sofrimentos e desprezo? Elas serão também semelhantes a Mim na glória; e as que forem menos parecidas Comigo no sofrimento e no desprezo - essas também terão menos semelhança Comigo na glória.

Entre as almas crucificadas - o maior número era daquelas que pertenciam ao estado religioso. Vi também crucificadas almas minhas conhecidas, o que me causou grande alegria. Então Jesus me disse: Na meditação de amanhã, refletirás sobre o que viste hoje. E logo Jesus desapareceu.

447 Sexta-feira. Estava doente e não pude ir à santa Missa. De manhã, às sete horas, vi meu confessor que celebrava a santa Missa, durante a qual vi o Menino Jesus. No final da santa Missa desapareceu a visão e vi que eu estava como antes, na minha cela. Uma alegria indizível me envolveu, porque, embora não pudesse estar na nossa capela assistindo à santa Missa, pude ouvi-la de uma igreja muito distante. Jesus pode arranjar tudo.

448 (187) 30 de julho de 1935. Dia de Santo Inácio. Rezei com fervor a este Santo, censurando-o: Como pode me observar e não me ajudar em questão tão importante, isto é, no cumprimento da vontade de Deus? Eu dizia a este Santo: "Vós, nosso padroeiro, que estáveis inflamado do fogo do amor e do zelo pela maior glória de Deus, peço-Vos humildemente, ajudai-me no cumprimento dos planos de Deus"[239]. Isso aconteceu ainda durante a santa Missa. Então, vi Santo Inácio, do lado esquerdo do altar, com um grande livro na mão, e ele me disse estas palavras:"Minha filha, não sou indiferente à tua causa; esta regra pode ser aplicada também nesta congregação" - e, indicando o livro com a mão, desapareceu. Fiquei imensamente feliz, vendo quanto os santos se preocupam conosco e que estreita união há entre nós. Ó bondade divina, como é belo o mundo interior se já aqui na terra convivemos com os santos. Durante o dia todo, senti a proximidade deste meu querido padroeiro.

449 05 de agosto de 1935 - Festa da Mãe da Misericórdia[240]. Preparei-me para esta festa com maior zelo que nos outros anos. Nesse dia, de manhã, tive uma luta interior ao pensar que deveria abandonar a congregação, onde desfrutava de uma especial proteção de Maria. Nessa luta passou-se a meditação e a primeira santa Missa; durante a segunda santa Missa eu disse à Mãe Santíssima: "Quanto me é difícil separar-me dessa congregação que se encontra sob vossa especial proteção, ó Maria!" - Então, vi a Virgem Santíssima, indizivelmente bela, que se aproximou de mim, vindo do altar até o meu genuflexório, estreitou-me ao seu Coração e disse-me estas palavras: Sou vossa Mãe pela infinita misericórdia de Deus. A alma que cumpre fielmente a vontade de Deus é a que mais me agrada. - Fez-me compreender que cumpro fielmente todos os (188) desejos de Deus e dessa maneira encontrei graça aos Seus olhos. - Sê corajosa, não tenhas medo das dificuldades ilusórias, mas fixa o teu olhar na Paixão do meu Filho e, dessa maneira, vencerás.

450 Adoração noturna.

Eu sofria muito e parecia-me que não era capaz de ir à adoração. Contudo, reuni toda a minha força de vontade e, embora estivesse desfalecida, caindo na cela, não dei atenção às minhas dores, tendo diante dos olhos a Paixão de Jesus. Quando cheguei à capela, tive uma compreensão interior daquela grande recompensa que Deus nos prepara não somente pelas boas ações, mas também pelo sincero desejo de realizá-las. Que grande graça de Deus é esta!

Oh, como é doce fatigar-se por Deus e pelas almas! Não quero descanso na luta, mas lutarei até o último suspiro da vida pela glória do meu Rei e Senhor. Não deporei a espada, até que me chame diante do Seu trono; não tenho medo dos golpes, porque Deus é o meu escudo. O inimigo é que deve ter medo de nós; e não nós, do inimigo. O demônio vence apenas os orgulhosos e medrosos, porque os humildes são fortes. Nada perturbará nem intimidará a alma humilde. Levantei voo para a própria fornalha do Sol, e nada conseguirá abaixá-lo. O amor não se deixa aprisionar, é livre como um rei[241]; o amor alcança Deus.

451 Em determinado momento, após a Comunhão ouvi estas palavras: Tu és Nossa morada. Nesse instante, senti na alma a presença da Santíssima Trindade - do Pai, do Filho e do Espírito Santo; sentia-me um santuário de Deus. Senti que sou filha do Pai; não sei explicar tudo, embora o espírito o compreenda bem. Ó Bondade infinita, como Vos rebaixais até à miserável criatura!

452 Se as almas quisessem se recolher, Deus logo lhes falaria, porque a distração abafa a palavra do Senhor.

453 (189) Em determinado momento, o Senhor me disse: Por que tens medo e tremes quando estás unida Comigo? Não Me agrada a alma quando se entrega a inúteis temores; quem ousaria tocar-te quando estás Comigo? A alma que mais Me agrada é aquela que crê firmemente na Minha bondade e tem plena confiança em Mim; concedo-lhe a Minha confiança e dou-lhe tudo o que Me pede.

454 Uma vez, o Senhor me disse: Minha filha, toma as graças que os homens desprezam, toma quantas conseguires carregar. Nesse momento minha alma foi inundada pelo amor de Deus. Senti que estava tão intimamente ligada ao Senhor que não posso encontrar palavras para definir bem essa união; além disso, senti que tudo que Deus tem, todos os bens e tesouros são meus, embora não me ocupe muito com eles, pois Ele me basta. Nele vejo tudo, fora Dele - nada.

Não busco a felicidade fora do meu interior, no qual Deus habita. Alegro-me com Deus no meu próprio interior onde permaneço com Ele continuamente; onde está o meu convívio mais íntimo com Ele; onde permaneço com Ele em segurança; onde não me atinge o olhar humano. E a Virgem Santíssima me estimula a uma tal convivência com Deus.

455 Quando me atinge algum sofrimento, agora não mais me causa amargura, nem os grandes consolos me entusiasmam; em mim, reina a paz e o equilíbrio espiritual, que decorre do conhecimento da verdade.

O que me importa se eu viva cercada de corações hostis se tenho a plenitude da felicidade no meu próprio coração? E de que me servirá a benevolência dos corações dos outros, se não possuir a Deus no meu próprio interior? Quando tenho Deus no meu interior, quem poderá prejudicar-me?

374

456 (190) J.M.J. Vilnius 12.08.1935

Retiro de três dias

À noite do dia anterior do retiro, nos pontos de meditação ouvi estas palavras:Neste retiro falar-te-ei pela boca desse sacerdote, para te certificar e fortalecer a respeito da verdade das Minhas palavras que estou pronunciando no fundo da tua alma. Embora esse retiro seja realizado para todas as irmãs, tenho por ti especial consideração, para te fortalecer e te fazer intrépida diante de todas as adversidades que te esperam e, por isso, ouve as palavras do sacerdote com diligência e reflete sobre elas no fundo da tua alma.

457 Oh, como me admirei quando verifiquei que tudo que o sacerdote dizia sobre a união com Deus e sobre os obstáculos a essa estreita união eu já tinha experimentado, literalmente, na alma e ouvido do próprio Jesus, que me fala no fundo da alma. A perfeição consiste nessa estreita união com Deus.

458 Na meditação das dez horas, o padre[242] falou sobre a misericórdia divina e sobre a bondade de Deus para conosco. Dizia que, quando passamos em revista a história da humanidade, vemos a cada passo essa grande bondade de Deus. Todos os atributos de Deus, tais como a onipotência e a sabedoria, procuram revelar-nos esse atributo máximo, isto é, a bondade de Deus. A bondade é o maior atributo de Deus. Muitas almas que buscam a perfeição não conhecem, no entanto, essa grande bondade de Deus. Tudo o que o padre falou nessa meditação sobre a bondade de Deus foi justamente o mesmo que me disse Jesus a propósito (191) do que se relaciona estreitamente com a Festa da Misericórdia. Agora, realmente [compreendi] claramente o que o Senhor me prometeu e de nada mais tenho dúvida, pois a palavra de Deus é clara e distinta.

459 Durante toda essa meditação, vi, no altar, Nosso Senhor vestido de branco. Em Suas mãos segurava este caderno em que estou escrevendo. Durante toda essa meditação, Jesus virava as páginas do caderno e calava-se. Contudo, o meu coração não conseguia suportar o fogo que se acendeu na minha alma. Apesar do esforço e da vontade para me dominar e não dar a conhecer aos presentes o que se estava passando no meu íntimo, no final da meditação, senti que havia perdido completamente o domínio de mim mesma. Então, Jesus me disse: Não escreveste neste caderno tudo sobre a Minha bondade para com os homens. Desejo que nada omitas, desejo que o teu coração se confirme numa total paz.

460 Ó Jesus, o meu coração para de bater quando reflito sobre tudo o que fazeis por mim. Admiro-Vos, Senhor, por Vos rebaixardes tanto, até a minha miserável alma. Que meios inconcebíveis utilizais para me convencer!

461 É a primeira vez na vida que estou fazendo um retiro assim; compreendo cada palavra do padre, de maneira especialmente clara, visto que antes tinha vivido tudo na minha alma. Agora, vejo que Jesus não deixa na incerteza a alma que O ama sinceramente. Jesus deseja que a alma que com Ele convive estreitamente esteja repleta de paz, apesar dos sofrimentos e das adversidades.

462 Agora compreendo bem que o que mais une a alma a Deus é a renúncia de si mesma, ou seja, a conformidade da nossa vontade com a vontade de Deus. É isso que torna a alma verdadeiramente livre e possibilita um profundo recolhimento do espírito, torna leves todas as dificuldades da vida, e suave a morte.

463 (192) Jesus recomendou-me que, se eu tivesse alguma incerteza no que se relaciona com essa Festa, ou ainda quanto à fundação da congregação - ou a respeito de qualquer coisa que te falei no fundo da alma, imediatamente te responderei pela boca desse sacerdote.

464 Numa meditação sobre a humildade ocorreu-me a antiga dúvida de que uma alma tão miserável como a minha não pudesse cumprir essa missão que o Senhor está exigindo. No mesmo momento, quando estava analisando essa dúvida, o sacerdote que pregava o retiro interrompeu o fio da conferência e disse justamente aquilo sobre o que me fazia duvidar, a saber: "Deus escolhe principalmente as almas mais fracas e mais simples como instrumentos para realizar Suas maiores obras - isso é verdade incontestável, porque vejamos a quem escolheu para Seus Apóstolos, ou olhemos ainda para a história da Igreja. Que grandes obras realizaram as almas que eram as menos capacitadas para isso, pois justamente nisso as obras de Deus se manifestam como divinas". - Quando eu já não tinha mais nenhuma dúvida, o sacerdote voltou a abordar o assunto da humildade.

Como de costume, durante cada meditação, Jesus estava no altar e nada me dizia, mas perscrutava bondosamente com Seu olhar minha pobre alma; então não tinha mais escusas.

465 Jesus, vida minha, sinto bem que me transformais em Vós no íntimo da alma, onde os sentidos pouco percebem. Ó meu Salvador, escondei-me toda no fundo do Vosso Coração e defendei-me com Vossos raios diante de tudo que não seja Vós. Peço-Vos, Jesus, que esses dois raios que saíram do Vosso dulcíssimo Coração fortaleçam incessantemente minha alma.

466 (193) Momento da confissão.

O confessor[243] perguntou-me se naquele momento o Senhor estava presente e se eu O conseguia ver. - "Sim, Ele está aqui e eu O vejo". Pediu-me, então, que Lhe perguntasse sobre certas pessoas. Jesus nada me respondeu, mas olhou para ele. Porém, terminada a confissão, quando eu estava rezando a penitência, Jesus me disse estas palavras: Vai e consola-o de Minha parte. Não compreendi o significado dessas palavras, mas, imediatamene, repeti o que Jesus havia mandado.

467 Durante todo o retiro, eu permanecia em contínua comunhão com Jesus e convivi com Ele com toda a força do meu coração.

468 Dia da renovação dos votos. No começo da santa Missa vi Jesus como de costume; abençoou-me e entrou no sacrário. Então, vi a Mãe de Deus vestida de branco, com um manto azul, com a cabeça descoberta. Veio do altar em minha direção, impôs-me as mãos, cobriu-me com seu manto e disse-me: Ofereça esses votos pela Polônia. Reze por ela. 15.08.[1935].

469 Nesse mesmo dia, à noite, senti uma grande saudade de Deus. Não O via nesse momento com os olhos do corpo, como antigamente, mas sentia-O, sem o perceber; isso me causa uma saudade e um sofrimento indescritíveis. Morro no desejo de possuí-Lo, de Nele mergulhar-me pelos séculos. O meu espírito tende a Ele com toda a força, e não há nada no mundo que possa consolar-me. Ó Amor eterno, agora compreendo em que estreita convivência o meu coração esteve Convosco! O que é que me poderá satisfazer no céu ou na terra a não ser Vós, ó meu Deus, em Quem mergulhou a minha alma?

470 (194) Quando um dia, à noite, olhei da minha cela para o céu e vi um belo firmamento semeado de estrelas e a lua, entrou na minha alma um inconcebível fogo de amor para com o meu Criador e, não sabendo suportar a saudade que na minha alma crescia para com Ele, caí de bruços, humilhando-me no solo. Eu O glorificava por todas as Suas criações e, quando o meu coração não podia suportar o que se passava nele, comecei a chorar alto. Então o meu anjo da guarda tocou-me e dirigiu-me estas palavras: "O Senhor mandou dizer-te que te levantes do chão" - o que fiz imediatamente, mas não fui consolada na minha alma. A saudade de Deus envolveu-me ainda mais.

471 Certo dia, quando eu estava na adoração e o meu espírito estava como que agonizando por Ele e eu não conseguia segurar as lágrimas, vi um espírito de grande beleza, que me disse estas palavras: "Não chores - diz o Senhor". - A seguir perguntei: "Quem és tu?" - e ele me respondeu: "Sou um dos sete espíritos que permanecem dia e noite diante do trono de Deus e glorificam-No sem cessar". - Todavia, esse espírito não apaziguou a minha saudade, mas despertou em mim uma saudade de Deus ainda maior. Este espírito é muito belo, e a sua beleza provém da estreita união com Deus. Este espírito não me abandona por um momento sequer, acompanha-me por toda a parte.

472 No dia seguinte, durante a santa Missa, antes da elevação, esse espírito começou a cantar estas palavras: "Santo, Santo, Santo" - sua voz era como a voz de milhares; é impossível descrevê-lo.

Então, o meu espírito foi unido a Deus; imediatamente vi a inconcebível grandeza e santidade de Deus e, ao mesmo tempo, conheci (195) o nada que sou por mim mesma.

Reconheci, mais distintamente que das outras vezes, as Três Pessoas Divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Mas é uma só a Sua Essência, igualdade e majestade. E, embora a minha alma conviva com os Três, e tão claramente compreenda isso, não o consigo expressar com palavras. Todo aquele que está unido com uma dessas Três Pessoas, está, por isso mesmo, unido com toda a Santíssima Trindade, visto que Sua Unidade é indivisível. Essa visão, ou antes esse conhecimento, inundou a minha alma de uma felicidade inconcebível, porque Deus é tão grande. O que acabo de descrever não vi com os olhos, como antigamente, mas de maneira puramente interior, de forma puramente espiritual e independente dos sentidos. Isso durou até o final da santa Missa.

Agora, isso acontece comigo com frequência, não apenas na capela, mas também no trabalho e nas horas em que menos o espero.

473 Quando o nosso confessor[244] foi viajar, eu me confessava com o arcebispo[245]. Quando lhe desvendei minha alma, recebi esta resposta: "Minha filha, arme-se de muita paciência, porque, se essas coisas são de Deus, mais cedo ou mais tarde produzirão seu efeito, e peço-lhe que fique completamente tranquila; eu a compreendo bem nessas coisas, minha filha, mas quanto a abandonar a congregação e pensar numa outra, peço-lhe que nem o admita em pensamento, porque de outra forma seria uma grave tentação interior". Terminada a confissão, perguntei a Nosso Senhor: "Por que mandais que eu faça essas coisas e não me dais a possibilidade de cumpri-las?". Então vi Nosso Senhor depois da Comunhão na mesma capela onde me tinha confessado, da mesma forma como aparece na Imagem, e o Senhor me disse: Não te entristeças, darei a conhecer a ele as coisas que estou exigindo de ti. Quando saímos, o arcebispo estava muito ocupado, mas mandou que voltássemos e esperássemos um momento. Quando entramos de novo na capelinha, ouvi na alma estas palavras: Conta o que viste nesta capela. Nesse momento entrou o arcebispo e perguntou se não tínhamos alguma coisa para lhe dizer. Apesar daquela ordem que havia recebido, não podia fazê-lo, porque estava em companhia de uma das irmãs.

Mais uma palavra da santa confissão: "Pedir misericórdia para o mundo - é uma grande e bela ideia. A irmã reze muito, pedindo misericórdia para os pecadores, mas deve fazê-lo no seu próprio convento".

474 No dia seguinte, na sexta-feira 13.09.1935.

À noite, quando me encontrava em minha cela, vi o anjo executor da ira de Deus. Estava vestido de branco, o rosto radiante e uma nuvem a seus pés. Da nuvem saíam trovões e relâmpagos para as suas mãos e delas só então atingiam a terra. Quando vi esse sinal da ira de Deus que deveria atingir a terra e especialmente um determinado lugar, que não posso mencionar por motivos bem compreensíveis, comecei a pedir ao anjo que se detivesse por alguns momentos, pois o mundo faria penitência. Mas o meu pedido de nada valeu perante a ira de Deus. Nesses instantes vi a Santíssima Trindade. A grandeza da Sua majestade transpassou-me profundamente e eu não ousava repetir a minha súplica. Porém, nesse mesmo momento senti em mim a força da graça de Jesus que reside na minha alma. Quando me veio a consciência dessa graça, imediatamente fui arrebatada até o trono de Deus. Oh, como é grande o nosso Senhor e Deus e como é inconcebível a Sua santidade! Nem sequer vou tentar descrever essa grandeza, porque, em breve, todos O veremos como Ele é. Comecei, então, a suplicar (197) a Deus pelo mundo com palavras ouvidas interiormente.

475 Quando eu assim rezava, vi a impossibilidade do anjo em poder executar aquele justo castigo, merecido por causa dos pecados. Nunca tinha rezado com tanta força interior como naquela ocasião.

As palavras com que eu suplicava a Deus eram as seguintes: Eterno Pai, eu Vos ofereço o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e dos do mundo inteiro; pela Sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós.

476 No dia seguinte pela manhã, quando entrei na nossa capela, ouvi interiormente estas palavras: Toda vez que entrares na capela, reza logo essa oração que te ensinei ontem. Quando rezei essa oração, ouvi na alma estas palavras: Essa oração serve para aplacar a Minha ira. Tu a recitarás por nove dias, por meio do terço do rosário, da seguinte maneira: Primeiro dirás o Pai-Nosso, a Ave-Maria e o Creio. Depois, nas contas do Pai-Nosso, dirás as seguintes palavras: "Eterno Pai, eu Vos ofereço o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e dos do mundo inteiro". Nas contas da Ave-Maria rezarás as seguintes palavras: "Pela Sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro". No fim, rezarás três vezes estas palavras[246]: "Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro"[247]

477 O silêncio é como a espada na luta espiritual; a alma tagarela nunca atingirá a santidade. Essa espada do silêncio cortará tudo que queira apegar-se à alma. Somos sensíveis à fala e, sendo sensíveis, logo queremos responder; não levamos em conta se é da vontade de Deus que falemos. A alma silenciosa é forte; nenhuma adversidade a prejudicará, se perseverar no silêncio. A alma (198) recolhida é capaz da mais profunda união com Deus, ela vive quase sempre sob a inspiração do Espírito Santo. Deus opera sem obstáculo na alma silenciosa.

478 Ó meu Jesus, Vós sabeis, somente Vós bem sabeis, que o meu coração não conhece outro amor além de Vós! Ó Jesus, todo o meu amor virginal mergulhou pelos séculos em Vós! Sinto, nitidamente, como o Vosso divino Sangue circula no meu coração; não existe a menor dúvida de que com esse Vosso Preciosíssimo Sangue entrou no meu coração o Vosso mais puro amor. Sinto que residis em mim com o Pai e o Espírito Santo, ou antes, sinto que eu vivo em Vós, ó Deus inconcebível. Sinto que me dissolvo em Vós, como uma gota no oceano. Sinto que estais no meu exterior e no meu interior, sinto que estais em tudo o que me cerca, em tudo o que me acontece. Ó meu Deus, eu Vos conheci no interior do meu coração e Vos amei acima de tudo o que existe na terra ou no céu. Os nossos corações entendem-se mutuamente, e nenhuma pessoa compreende isso.

479 Segunda confissão com o arcebispo[248]: "Saiba, minha filha, que, se isso é vontade de Deus, mais cedo ou mais tarde se cumprirá, porque a vontade de Deus tem de ser cumprida. Ame a Deus no seu coração, tenha..."[pensamento interrompido].

480 29.09.1935. Festa de São Miguel Arcanjo[249]. Fui unida interiormente a Deus. Sua presença dominava-me profundamente e me enchia de paz, alegria e assombro. Após tais momentos de oração, vejo-me cheia de força, de uma estranha coragem para os sofrimentos e a luta; nada me assusta, ainda que o mundo todo esteja contra mim; todas as adversidades atingem-me só superficialmente e não (199) têm acesso ao íntimo, porque lá reside Deus, que me fortalece e enche de Si. Diante de Seu escabelo desfazem-se todas as armadilhas do inimigo. Deus me mantém com Sua força nesses momentos de união; Sua força comunica-se a mim e me torna capaz de amá-Lo. Por suas próprias forças, a alma nunca chega a esse ponto. No começo dessa graça interior o medo tomava conta de mim, e eu comecei a me guiar pelo temor, isto é, a entregar-me a ele, mas em breve o Senhor deu-me a conhecer o quanto isso Lhe desagradava. E também esta tranquilidade, foi Ele próprio quem a deu para mim.

481 Quase toda solenidade na santa Igreja proporciona-me um mais profundo conhecimento de Deus e uma graça especial, por isso me preparo para cada solenidade e uno-me estreitamente com o espírito da Igreja. Que alegria ser uma filha fiel da Igreja! Oh, quanto amo a santa Igreja e todos os que nela vivem; olho para eles como para membros vivos de Cristo, que é a sua Cabeça. Inflamo-me de amor com os que amam, sofro com os que sofrem, a dor me consome quando olho para os tíbios e ingratos. É nessas ocasiões que procuro dedicar um tal amor a Deus, que seja reparação por aqueles que não O amam, que retribuem a seu Salvador com a negra ingratidão.

482 Ó meu Deus, estou consciente de minha missão na santa Igreja. O meu constante empenho é pedir misericórdia para o mundo. Uno-me estreitamente com Jesus e transformo-me em sacrifício suplicante pelo mundo. Deus nada me negará, se eu Lhe pedir com a voz do seu Filho. Meu sacrifício nada é por si só, mas, quando o uno ao de Jesus Cristo, torna-se onipotente e tem o poder de aplacar a ira de Deus. Deus nos ama no Seu Filho, e a dolorosa Paixão do Filho mitiga continuamente a Sua cólera.

483 (200) Ó Deus, como desejo que as almas Vos conheçam e saibam que as criastes por um amor inconcebível! Ó meu Criador e Senhor, sinto que conseguirei entreabrir o véu celeste para que a terra não duvide da Vossa bondade.

Fazei de mim, Jesus, um sacrifício agradável e puro ao olhar de Vosso Pai. Jesus, transformai-me, a mim, miserável pecadora, em Vós, pois Vós tudo podeis, e entregai-me ao Vosso eterno Pai. Desejo tornar-me uma hóstia de expiação diante de Vós, mas que aos homens pareça como mero pão não consagrado. Desejo que o odor do meu sacrifício seja conhecido apenas por Vós. Ó Deus eterno, em mim arde o fogo inextinguível de Vos suplicar a misericórdia, sinto e compreendo ser essa a minha missão aqui e na eternidade. Vós mesmo mandastes que eu falasse dessa Vossa grande misericórdia e bondade.

484 Compreendi, em determinado momento, como não agrada a Deus a ação, ainda que seja a mais louvável, mas que não tenha o selo da intenção pura. Tais ações despertam, antes, o castigo de Deus do que a Sua recompensa. Que na nossa vida o seu número seja o mínimo possível! No entanto, na vida religiosa elas não devem existir absolutamente.

485 Aceito com a mesma disposição, quer a alegria, quer o sofrimento, o elogio ou a humilhação, pois não esqueço que uns e outros são passageiros e não me importa o que falam de mim. Já há muito tempo renunciei a tudo que se refere à minha pessoa. Meu nome é hóstia, ou sacrifício, não em palavra, mas em ação - no aniquilamento de mim mesma, na configuração Convosco na Cruz, ó bom Jesus e meu Mestre.

486 (201) Jesus, quando vindes a mim na santa Comunhão - Vós que Vos dignastes residir com o Pai e o Espírito Santo no pequeno céu do meu coração - procuro fazer-Vos companhia durante todo o dia, não Vos deixo sozinho, nem por um momento. Ainda que esteja em companhia de outras pessoas, ou junto com as educandas, o meu coração sempre está unido com o Dele. Quando vou dormir Lhe ofereço cada pulsar do meu coração, quando acordo - mergulho Nele sem dizer uma palavra. Ao despertar, por um momento glorifico a Santíssima Trindade e agradeço-Lhe por se ter dignado dar-me mais um dia - e porque mais uma vez se repetirá em mim o mistério da Encarnação do Seu Filho - porque mais uma vez se repetirá diante dos meus olhos a Sua dolorosa Paixão. E assim procuro facilitar a Jesus chegar através de mim às outras almas. Com Jesus vou a toda parte, Sua presença me acompanha em toda parte.

487 Nos sofrimentos da alma e do corpo procuro ficar calada, porque então o meu espírito se enche da força que provém da Paixão de Jesus. Continuamente tenho diante dos olhos Sua dolorosa face ultrajada e desfigurada, Seu Coração divino transpassado pelos nossos pecados, especialmente pela ingratidão das almas eleitas.

488 Por duas vezes fui avisada de que me preparasse para os sofrimentos que me aguardam em Varsóvia: o primeiro aviso foi interior - por uma voz audível, e o outro deu-se durante a santa Missa. Antes da elevação vi Nosso Senhor cricificado, que me disse: Prepara-te para o sofrimento. Agradeci ao Senhor por essa graça de me prevenir e disse-Lhe: "Certamente não sofrerei mais do que Vós, meu Salvador". No entanto, fiquei impressionada com isso e fortalecia-me pela oração e por pequenos sofrimentos, para poder suportar os sofrimentos maiores que viriam.

489 (202) 19.10.1935

Viagem de Vilnius para Cracóvia, para o retiro de oito dias.

Na sexta-feira à noite, durante o Terço, quando pensava sobre a viagem de amanhã e sobre a importância da questão que devia apresentar ao frei Andrasz[250], envolveu-me o temor, ao ver claramente a minha miséria e incapacidade face à grandeza da obra de Deus. Esmagada por esse sofrimento, entreguei-me à vontade de Deus. Nesse momento, em frente do meu genuflexório, vi Jesus vestido de branco que me disse: Por que tens medo de cumprir a Minha vontade? Será que não te ajudarei, como até agora? Repete toda exigência Minha àqueles que Me substituem na terra e faz apenas aquilo que te mandarem. - Nesse momento, uma espécie de força entrou na minha alma.

490 No dia seguinte, pela manhã, vi o anjo da guarda, que me acompanhou na viagem até Varsóvia, e só depois de entrarmos no portão é que desapareceu. Quando passávamos perto da pequena capela para cumprimentar as superioras, imediatamente envolveu-me a presença de Deus e o Senhor encheu-me do Seu fogo de amor. Em momentos assim, sempre conheço melhor a grandeza da Sua majestade.

Em Varsóvia, quando embarcamos no trem para Cracóvia, novamente vi o meu anjo da guarda a meu lado, absorvido em oração e contemplando a Deus; o meu pensamento o acompanhava e, quando passamos pelo portão do convento - desapareceu.

491 Quando entrei na capela, a majestade de Deus envolveu-me novamente. Sentia-me toda mergulhada em Deus, toda submersa Nele e Dele impregnada, vendo quanto o Pai Celestial nos ama. Oh, que grande felicidade enche a minha alma pelo conhecimento de Deus, da vida divina. Desejo partilhar essa felicidade com todas as pessoas, não a posso guardar no coração só para mim, porque suas chamas queimam-me e dilaceram o meu peito e as minhas entranhas. Desejo percorrer o mundo todo e falar às almas da grande misericórdia de Deus. Sacerdotes, ajudai-me nisso, utilizai as expressões mais fortes sobre a Sua misericórdia, porque tudo é demasiado fraco para expressar o quanto é misericordioso.

492 (203) J.M.J. Cracóvia, 20.10.1935 Retiro de oito dias

Deus eterno, a própria Bondade, cuja misericórdia não pode ser compreendida por nenhuma mente, nem humana nem angélica, ajudai-me, a mim, débil criança, para que eu possa cumprir a Vossa santa vontade, tal como me dais a conhecê-la. Nada desejo, a não ser o cumprimento dos desejos divinos. Eis aqui, Senhor, a minha alma e o meu corpo, a minha mente e a minha vontade, o meu coração e todo o meu amor. Guiai-me de acordo com os Vossos eternos desígnios.

493 Após a Comunhão, a minha alma novamente foi inundada pelo amor de Deus. Alegro-me com a Sua grandeza, vejo aqui claramente a Sua vontade, a qual devo cumprir, e ao mesmo tempo vejo a minha fraqueza e miséria, vejo que nada posso fazer sem a Sua ajuda.

494 No segundo dia do retiro.

Quando eu devia ir falar com o frei Andrasz na sala de visitas, fiquei preocupada pelo fato de que o sigilo pode existir apenas no confessionário; era um receio infundado. A madre superiora tranquilizou-me com uma só palavra. Mas, quando entrei na capela, ouvi na alma estas palavras: Desejo que sejas sincera e simples como uma criança diante do Meu representante, da mesma forma que és sincera e simples diante de Mim, pois de outra forma Eu te abandonarei e não conviverei contigo.

Realmente, Deus concedeu-me essa grande graça da confiança total e, após terminada a conversa, concedeu-me a graça de uma profunda paz e de luzes quanto a esses assuntos.

495 Jesus, luz eterna, iluminai a minha mente, fortalecei a minha vontade e inflamai o meu coração, ficai comigo como prometestes, porque sem Vós nada sou. Vós sabeis, meu Jesus, como sou fraca - afinal, nem preciso falar-Vos disso, Jesus, porque Vós mesmo sabeis muito bem como sou miserável. Em Vós está a minha força.

496 (204) Dia da confissão.

Desde manhã cedo, comecei a sentir tamanha luta interior como nunca antes tinha sentido. Deus abandonou-me totalmente, senti toda a fraqueza que eu sou, oprimiam-me pensamentos deste gênero: por que terei que deixar este convento, no qual sou estimada pelas irmãs e pelas superioras, onde a vida é tão tranquila? Estou ligada pelos votos perpétuos, cumpro as obrigações com facilidade. Por que tenho que escutar a voz da consciência? Por que seguir fielmente a inspiração? Quem sabe de quem ela provém? Não é melhor caminhar como todas as outras irmãs? Talvez seja possível abafar as palavras do Senhor, não prestando atenção a elas. Talvez Deus não exija prestação de contas delas no dia do Juízo. Aonde me levará essa voz interior? Se me deixar guiar por ela, que terríveis dificuldades, sofrimentos e adversidades me aguardam; tenho medo do futuro e agonizo no presente.

Esse sofrimento durou o dia todo com a mesma intensidade. E quando, à noite, fui me confessar e, apesar de me ter preparado antes, não consegui confessar-me por inteiro, recebi a absolvição e afastei-me, sem saber o que estava acontecendo comigo. Logo que me deitei para descansar, aquele sofrimento atingiu o grau máximo, ou antes, transformou-se em fogo que invadia todas as faculdades da alma como um relâmpago, até a medula dos ossos, até o mais recôndito do meu coração. Nesse sofrimento, não era capaz de me dispor ao que quer que fosse: "Faça-se a Vossa vontade, Senhor" e, às vezes, nem isso conseguia pensar. De fato, oprimia-me um pavor mortal e o fogo do inferno me atingia. Ao amanhecer, reinou o silêncio; os sofrimentos desapareceram num piscar de olhos, mas eu sentia um tão terrível cansaço que nem podia fazer qualquer movimento. Aos poucos, durante a conversa com a madre superiora, voltaram-me as forças, mas só Deus sabe como eu me senti durante o dia todo.

497 Ó Verdade eterna, Verbo Encarnado, que cumpristes da maneira mais fiel a vontade do Vosso Pai, eis que hoje me torno mártir das Vossas inspirações, visto que não posso realizá-las, porque não tenho vontade própria, embora interiormente conheça claramente a Vossa santa vontade (205). Em tudo me submeto à vontade das superioras e do meu confessor, e [cumpro] a Vossa vontade, na medida em que permitirdes que Lhe obedeça por intermédio do Vosso representante. Ó meu Jesus, é pena, mas sobreponho a voz da Igreja à voz com que me falais.

498 Após a santa Comunhão.

Vi Jesus, como de costume, e Ele me disse estas palavras: Reclina a tua cabeça no Meu ombro, descansa e fortalece-te. Eu sempre estou contigo. Diz ao amigo do Meu Coração que Me sirvo de criaturas assim tão fracas para realizar as Minhas obras. - Depois o meu espírito foi fortalecido por um estranho poder. - Diz-lhe que, na confissão, lhe permiti conhecer a tua fraqueza e o que és por ti mesma.

499 Toda a luta suportada com coragem dá-me alegria e paz, luz e experiência, coragem para o futuro; honra e glória a Deus; e a mim: a recompensa final.

Hoje, festa de Cristo Rei[251].

500 Durante a santa Missa, rezei com fervor para que Jesus seja o Rei de todos os corações, para que a graça de Deus brilhe em toda alma. Então, vi Jesus como está pintado na Imagem e Ele me disse estas palavras: Minha filha, a maior glória que Me prestas é cumprir, fielmente, os Meus desejos.

501 Oh, como é grande a Vossa beleza, ó Jesus, Esposo meu! Flor viva e vivificante, em que se esconde o orvalho que regenera a alma sedenta. Em Vós mergulhou a minha alma, só Vós sois o objeto das minhas aspirações e dos meus desejos. Uni-me da maneira mais estreita possível Convosco, com o Pai e com o Espírito Santo; que eu viva e morra em Vós.

502 Apenas o amor tem significado, pois eleva os nossos mínimos atos ao infinito.

503 Meu Jesus, realmente eu não saberia viver sem Vós, o meu espírito fundiu-se com o Vosso. Ninguém compreenderá bem isso; é preciso, primeiro, viver em Vós, para reconhecer-Vos nos outros.

504 (206) Cracóvia, 25.10.35

Propósitos do retiro:

Nada fazer sem a autorização do confessor e a permissão das superioras; em tudo, especialmente nessas inspirações e exigências do Senhor.

Passar todos os momentos livres com o Hóspede Divino no meu interior; cuidar do silêncio interior e exterior, para que Jesus possa descansar no meu coração.

O meu mais agradável descanso deve estar na ajuda e no serviço prestado às irmãs. Esquecer-me de mim mesma e pensar em que posso ser agradável às irmãs. Não me justificar nem me desculpar de qualquer observação que me for feita, permitir que me julguem como quiserem.

Tenho um único Confidente, a quem confidencio tudo, e Ele é Jesus-Eucaristia; e, no Seu lugar - o confessor.

Em todos os sofrimentos da alma ou do corpo, trevas ou abandonos, eu me calarei como uma pomba, sem me queixar.

Aniquilar-me a cada momento, como sacrifício a Seus pés, suplicando misericórdia para as pobres almas.

505 Todo o meu nada submerge no mar da Vossa misericórdia. Com a confiança de uma criança, jogo-me nos Vossos braços, Pai de misericórdia, para Vos desagravar pela infidelidade de tantas almas que têm medo de confiar em Vós. Oh, como é pequeno o número de almas que realmente Vos conhecem! Oh, como desejo ardentemente que a Festa da Misericórdia seja conhecida pelas almas! A coroa das Vossas obras é a misericórdia; Vós revestis tudo com o sentimento da mãe mais carinhosa.

506 (207) J.M.J. Cravóvia, 27.10.1935 Frei Andrasz - conselho espiritual.

"Não fazer nada sem o consentimento das superioras. Sobre essa questão é preciso refletir bem e rezar muito. Importa ser muito prudente nestas coisas, visto que a irmã tem aqui a vontade de Deus, certa e clara, porque está ligada a esta congregação pelos votos e ainda por cima perpétuos; portanto, não deve haver dúvidas, e o que a irmã tem no seu interior são apenas iluminações de algo que está sendo criado. Deus pode fazer alguma alteração, mas coisas assim são muito raras. Enquanto a irmã não obtiver um conhecimento mais claro, não tenha pressa. As obras de Deus andam devagar e, se são de Deus, podem ser conhecidas claramente e, se não são, elas se desvanecerão; obedecendo, não se erra. Mas, é precio falar sinceramente de tudo ao confessor e obedecer-lhe cegamente.

Agora, a irmã não tem outra escolha a não ser conformar-se com o sofrimento, até a hora do esclarecimento ou da solução dessas questões". "A irmã está em boa disposição quanto a essas coisas e peço que continue a ser tão cheia de simplicidade e de espírito de obediência - isso é um bom sinal. Se a irmã continuar nessa disposição, Deus não permitirá que a irmã seja induzida ao erro; mas, na medida do possível, mantenha-se afastada dessas coisas e, se apesar disso elas ocorrerem, deve aceitá-las tranquilamente, sem ter medo de nada. Você está em boas mãos, nas mãos do Deus de bondade. Em tudo isso que você me contou não vejo qualquer ilusão, ou que contradiga a fé; são coisas boas em si mesmas, e até seria desejável se houvesse um grupo de almas que pedissem a Deus pelo mundo, porque todos necessitamos de oração. Você tem um bom diretor espiritual, deixe guiar-se por ele e fique tranquila; seja fiel à vontade de Deus e cumpra-a. Quanto às tarefas, cumpra o que lhe mandam, da maneira que mandam, ainda que isso seja muito humilhante e difícil. Escolha sempre o último lugar, e então lhe dirão: 'Sente-se mais à frente'. Deve considerar-se, tanto em espírito, quanto na sua conduta, como a última de toda a casa e de toda a congregação. Em tudo e sempre, a máxima fidelidade a Deus".

507 (208) Ó meu Jesus, desejo sofrer e arder na chama do amor em todos os acontecimentos da vida. Sou toda Vossa e em Vós desejo perder-me. Ó Jesus, desejo perder-me na Vossa divina beleza! Vós me perseguis, ó Senhor, com o Vosso amor, como o raio do sol atravessais o meu interior e transformais as trevas da minha alma na Vossa luz. Tenho a viva sensação de ser em Vós como uma pequena fagulha arrebatada pelo fogo inconcebível em que ardeis, ó Trindade inconcebível! Não há alegria maior do que o amor de Deus. Já aqui na terra podemos saborear a felicidade dos habitantes do céu, pela estreita união com Deus - uma união singular e que nós, muitas vezes, não compreendemos. Pode-se obter a mesma graça pela simples fidelidade da alma.

508 Quando se apodera de mim a indisposição e o aborrecimento quanto às minhas obrigações, então lembro-me de que estou na casa do Senhor, onde nada é sem importância, onde, desses meus pequenos atos, realizados de maneira divinizada, dependem a glória da Igreja e o progresso de muitas almas. Portante, nada há de insignificante na vida religiosa.

509 Nas adversidades que atravesso, conscientizo-me de que o tempo da luta não terminou, armo-me de paciência e dessa maneira venço o meu inimigo.

510 Em nenhuma parte busco a perfeição de forma interesseira, mas mergulho no espírito de Jesus e contemplo as Suas ações, que tenho resumidas no Evangelho: e, ainda que vivesse mil anos, não esgotaria o que nele está contido.

511 Quando as minhas intenções não são reconhecidas, e mal interpretadas, não me admiro muito disso, pois sei que apenas Deus perscruta o meu coração. A verdade não desaparece, o coração ferido se acalma com o tempo, e é nas adversidades que o meu espírito se fortalece. Nem sempre dou ouvidos ao meu coração, mas peço luzes a Deus, e quando consigo me equilibrar, então falo.

512 (209) Dia da renovação dos votos. A presença de Deus inundou a minha alma. Durante a santa Missa, vi Nosso Senhor que me disse estas palavras: Tu és a Minha grande alegria; teu amor e a tua humildade fazem com que Eu abandone o trono celeste e Me una contigo. O amor preenche o abismo que existe entre a Minha grandeza e o teu nada.

513 O amor inunda a minha alma, estou submersa num oceano do amor, sinto que desmaio e perco-me inteiramente Nele.

514 Jesus, fazei meu coração semelhante ao Vosso, ou antes, transformai-o no Vosso Coração, para que eu saiba perceber as necessidades dos outros corações, especialmente dos que sofrem e estão tristes; que os raios da misericórdia descansem no meu coração.

515 À noite, quando andava pelo jardim, rezando o rosário, tendo chegado ao cemitério[252], entreabri a porta, comecei a rezar por um momento e perguntei interiormente: "Sois muito felizes não é verdade?". Então ouvi estas palavras: "Só somos felizes na medida em que cumprimos a vontade de Deus" - e depois, de novo, se fez silêncio. Concentrei-me e fiquei pensando por muito tempo como eu estou cumprindo a vontade de Deus e como estou aproveitando o tempo que Deus me concede.

516 Nesse mesmo dia, quando à noite me fui deitar, veio visitar-me uma almazinha e, batendo no armário, acordou-me, pedindo orações. Queria perguntar quem era, contudo mortifiquei a minha curiosidade e juntei essa pequena mortificação com a oração que ofereci por ela.

517 Uma vez fui visitar uma irmãzinha[253] doente; tinha já oitenta e quatro anos e distinguia-se por muitas virtudes. Perguntei-lhe: "Certamente a irmã já está pronta para se apresentar diante do Senhor?" - Respondeu-me que se havia preparado a vida toda para essa última hora e disse-me estas palavras: "A idade não dispensa a luta".

518 (210) † Quando, no dia de Finados, fui ao cemitério ao anoitecer, ele já estava fechado, mas entreabri um pouco a porta e disse: "Se desejarem alguma coisa, almazinhas, de boa vontade as satisfarei, desde que a regra o permita". Então ouvi estas palavras: "Cumpra a vontade de Deus - nós somos felizes na medida em que a cumprimos".

519 À noite essas almas vieram e pediram as minhas orações e rezei muito por elas. Quando, ainda à tarde, a procissão voltava do cemitério, vi uma multidão de almas que iam juntamente conosco para a capela e estavam rezando junto conosco. Rezei muito, porque tinha a autorização das superioras[254] para isso.

520 Durante a noite, novamente veio visitar-me uma alma que eu já tinha visto uma vez. Essa alma não me pediu orações, mas me fazia censuras dizendo que outrora eu fora muito vaidosa e orgulhosa: "Agora estás assim intercedendo pelos outros, enquanto ainda tens alguns defeitos". - Respondi que eu era muito orgulhosa e vaidosa, mas já me tinha confessado e feito penitência pela minha tolice, confiando na bondade do meu Deus. Se agora caio algumas vezes, ainda que nas mínimas coisas, é involuntariamente e nunca de propósito. Contudo, essa alma continuou a me censurar dizendo: "Por que não queres reconhecer a minha grandeza? - todos me prestam honra pelos meus grandes feitos, por que apenas tu não me dás glória?". Então percebi que nessa figura estava satanás e disse: "Apenas a Deus é devida a glória! Afasta-te, satanás!"[255]. E, imediatamente, essa alma caiu num abismo terrível, inconcebível, indescritível, e eu disse a essa miserável alma que contaria isso a toda a Igreja.

521 No sábado, já voltamos de Cracóvia a Vilnius. De passagem, entramos em Czestochowa. Quando estava rezando diante da Imagem milagrosa, senti que são agradáveis [pensamento interrompido][256].

[Fim do primeiro caderno do manuscrito do Diário].


>> Caderno II de 522 a 600

Referência

Livro Santa Irmã Maria Faustina Kowalska - Diário - A Misericórdia Divina na minha alma.