Oração Ave Maria

Diário - Caderno I
A Misericórdia Divina na Minha alma

(1)

1Ó Amor eterno, mandais pintar a Vossa santa Imagem[1]
e nos desvendais a fonte da misericórdia inconcebível!
Abençoais quem se aproxima dos Vossos raios,
e a alma negra se tornará branca como a neve.

Ó doce Jesus, aqui[2] fundastes o trono da Vossa misericórdia
para alegrar e ajudar o homem pecador:
do coração aberto, como de uma fonte límpida, flui o consolo para a alma e o coração contrito.

Que a honra e o louvor para esta Imagem nunca deixem de fluir da alma do homem!
Que de cada coração flua honra para a misericórdia de Deus
agora, e em cada hora e por todos os séculos!

2Ó Meu Deus
Quando olho para o futuro, o medo me inunda, mas por que aprofundar-me no futuro? Para mim, é precioso apenas o momento presente,
pois o futuro talvez não venha à minha alma.

O tempo que passou não está em meu poder!

Algo mudar, consertar ou acrescentar, não o conseguiu nem o sábio, nem os profetas,

portanto, fique com Deus o que o passado em si encerrou.
Ó momento presente, tu me pertences por inteiro,
desejo te usar o quanto estiver em meu alcance,
e, embora seja fraca e pequena,
Vós me dais a graça da Vossa onipotência.

Por isso, confiando em Vossa misericórdia caminho pela vida como uma criança,
e faço-Vos, diariamente, o ofertório do meu coração
inflamado de amor pela Vossa maior glória.

(2)

† J.M.J.[3]

3Deus e as Almas
Rei de Misericórdia, guiai a minha alma
Irmã M. Faustina do Santíssimo Sacramento

Vilnius[4], 28.07.1934

4Ó meu Jesus, por confiar em Vós teço mil grinaldas e sei que todas florescerão,
e sei que florescerão todas, quando o Sol Divino as iluminar.

Ó grande e divino Sacramento que ocultas o meu Deus,
Jesus, ficai comigo em todos os momentos, e o temor não dominará meu coração.

(3)

† J.M.J.

Vilnius, 28.07.1934

† Primeiro caderno

5Deus e as almas
Sede bendita, ó Santíssima Trindade, agora e para sempre. Sede bendita em todas as Vossas obras e criaturas. Seja admirada e glorificada a grandeza da Vossa misericórdia, ó Deus.

6Devo anotar[5] os encontros de minha alma Convosco, ó Deus, nos momentos de Vossas especiais visitas. Devo escrever sobre Vós, ó inconcebível em misericórdia para com a minha pobre alma. A Vossa santa vontade é a vida da minha alma. Recebi essa ordem de quem Vos representa aqui na terra, ó Deus, e ele me esclarece sobre a Vossa santa vontade. Jesus, bem vedes como me é difícil escrever e como sou incapaz de descrever com clareza o que experimento na minha alma. Ó Deus, poderá a pena descrever aquilo para que muitas vezes não há nem mesmo palavras? Mas sois Vós, ó Deus, que mandais que eu escreva, e isso me basta.

Varsóvia, 01.08.1925

7Entrada no conventoO definitivo chamado de Deus, a graça da vocação para a vida religiosa, eu senti desde os sete anos de vida. Com essa idade, ouvi pela primeira vez a voz de Deus na alma, ou seja, o convite para uma vida mais perfeita, mas nem sempre fui obediente à voz da Graça. Não encontrei ninguém que me pudesse explicar essas coisas.

8Aos dezoito anos, fiz um insistente pedido aos meus pais para que me deixassem entrar num convento; mas recebi deles uma categórica recusa. Depois dessa recusa, passei a viver as vaidades da vida[6], não prestando nenhuma atenção à voz da graça, embora em nada disso a minha alma encontrasse satisfação(4). O contínuo chamado da graça era para mim um grande tormento que eu procurava abafar com diversões[7]. Evitava interiormente a Deus[8], voltando-me com toda a alma para as criaturas. Contudo, a graça de Deus venceu na minha alma.

9Numa ocasião, estava com uma de minhas irmãs num baile[9]. Enquanto todos se divertiam a valer, a minha alma sentia [tormentos] interiores. No momento em que comecei a dançar, de repente, vi Jesus ao meu lado, Jesus sofredor, despojado de suas vestes, todo coberto de chagas, que me disse estas palavras: Até quando hei de ter paciência contigo e até quando tu Me decepcionarás? Nesse mesmo momento, cessou a música encantadora, não vi mais as pessoas que comigo estavam, [somente] Jesus e eu ali permanecíamos. Sentei-me ao lado de minha irmã, disfarçando com uma dor de cabeça aquilo que se passava comigo. Em seguida, deixei disfarçadamente os que me acompanhavam e minha irmã e fui à catedral de santo Estanislau Kotska. Já começava a entardecer, havia poucas pessoas na catedral. Sem prestar [atenção] a nada do que ocorria à minha volta, caí de bruços diante do Santíssimo Sacramento e pedi ao Senhor que me desse a conhecer o que deveria fazer a seguir. Então, ouvi estas palavras:

10Vai imediatamente a Varsóvia, lá entrarás num convento. Terminada a oração, levantei-me, fui para casa e arrumei as coisas indispensáveis. Como pude, relatei à minha irmã o que se passava na minha alma; pedi que se despedisse por mim dos nossos pais e assim, só com a roupa que tinha no corpo, sem mais nada, vim para Varsóvia.

11Quando desci do trem e vi que cada um seguia o seu destino, fiquei com medo e sem saber o que fazer. Para onde dirigir-me, não tendo ali ninguém conhecido? Implorei à Mãe de Deus: “Maria! Conduzi-me, guiai-me”. Imediatamente ouvi dentro de mim uma voz que me dizia que saísse da cidade e fosse a um determinado povoado[10], onde poderia passar a noite com segurança. Foi o que fiz e encontrei tudo como a Mãe de Deus me havia dito.

12No dia seguinte, bem cedinho, vim à cidade e entrei na primeira igreja[11] que encontrei e comecei a rezar para saber o que mais era da vontade de Deus. As santas Missas se sucediam. Durante uma delas, ouvi estas palavras: Vai falar com esse padre, diz-lhe tudo[12], e ele te dirá o que deves fazer em seguida. Terminada a santa Missa(5), fui à sacristia e contei tudo o que se tinha passado na minha alma e pedi que me indicasse em qual convento ingressar.

13No primeiro momento, o padre ficou muito surpreendido, mas depois recomendou-me que tivesse muita confiança, pois Deus me guiaria. “Por enquanto, [disse ele] vou enviar-te a uma piedosa senhora[13] com quem poderás ficar enquanto não ingressares no convento”. Quando fui ter com essa senhora, ela me recebeu com grande afabilidade. Durante esse tempo, eu procurava um convento, mas a cada porta que batia era recusada[14]. A dor apertou-me o coração e roguei então a Jesus: “Ajudai-me, não me deixeis sozinha”. Até que, finalmente, bati à nossa porta[15].

14Quando veio ter comigo a madre superiora[16], a atual madre geral Michaela, depois de uma breve conversa, disse-me que fosse ver o “Senhor da casa” e perguntasse se Ele me aceitaria. Compreendi logo que devia perguntar a Nosso Senhor. Fui à capela com grande alegria e perguntei a Jesus: “Senhor desta casa, Vós me aceitais? — Foi uma das irmãs que me mandou perguntar assim”.

E logo ouvi uma voz que me dizia: Eu te aceito, tu estás no Meu Coração. Quando voltei da capela, a madre superiora logo me perguntou: “E então, o Senhor te aceitou?” — Respondi que sim. — “Se o Senhor te aceitou, eu também te aceitarei”.

15Assim foi a minha admissão. Contudo, por diversos motivos, tive que ficar ainda por mais de um ano no mundo, com aquela senhora piedosa[17], mas já não voltei para casa.

Nesse tempo, tive que lutar contra muitas dificuldades, mas Deus não me negava a Sua graça, e eu começava a sentir uma saudade cada vez maior de Deus. A senhora que me acolheu, embora fosse muito piedosa, não compreendia a felicidade da vida religiosa e, na sua bondade, começou a fazer outros planos de vida para mim, mas eu sentia ter o coração tão grande que nada o poderia preencher. Por isso, voltei-me para Deus com toda a alma sedenta Dele.

16[Isso] ocorreu durante a oitava de Corpus Christi[18]. Deus encheu a minha alma de luz interior e de um melhor conhecimento Dele como sumo bem e suma beleza. Compreendi quanto Deus me amava. É eterno o Seu amor para comigo.

Foi durante a recitação das vésperas; com palavras simples, que fluíam do meu coração, fiz a Deus (6) o voto de castidade perpétua. Desde esse momento, passei a sentir-me mais próxima de Deus, meu Esposo. Desde esse momento, fiz uma pequena cela em meu coração, onde sempre me encontrava com Jesus.

17Finalmente, chegou o momento em que se abriu para mim a porta do convento. Foi no dia primeiro de agosto[19], à tarde, na véspera de Nossa Senhora dos Anjos. Sentia-me imensamente feliz, parecia que havia entrado na vida do paraíso. O meu coração só era capaz de uma contínua oração de ação de graças.

18Mas, depois de três semanas, percebi que aqui havia pouco tempo para a oração. E muitas outras coisas me falavam à alma, incentivando-me a ingressar numa ordem mais rigorosa. Este pensamento fixou-se profundamente na minha alma, mas não havia nisso a vontade de Deus. No entanto, esse pensamento, ou seja, essa tentação, tornava-se cada vez mais forte, de tal maneira que um dia decidi contar tudo à madre superiora e sair decididamente da congregação. Mas Deus conduziu de tal modo as circunstâncias, que eu não conseguia falar com a madre superiora[20]. Entrei na pequena capela[21], antes de ir descansar, e pedi a Jesus que me iluminasse sobre esse assunto, mas nada recebi na minha alma e apenas uma estranha inquietação, que eu não compreendia, tomava conta de mim. Mas, apesar de tudo, decidi que de manhã, logo após a santa Missa, iria falar com a madre superiora e comunicar-lhe a decisão tomada.

19Entrei na cela, as irmãs já se tinham deitado — a luz estava apagada. Entrei na minha cela, cheia de aflição e insatisfação. Não sabia o que fazer comigo. Lancei-me ao chão e comecei a rezar ardentemente para conhecer a vontade de Deus. Havia silêncio em toda parte, como num sacrário. Todas as irmãs, tal como hóstias brancas, repousavam, encerradas no cálice de Jesus, e apenas da minha cela Deus podia ouvir um gemido da alma. Não sabia que, sem permissão, não era permitido rezar na cela depois das nove[22]. Passados uns instantes, a minha cela se encheu de claridade e, na cortina, tive a visão da face dolorosíssima de Jesus. Havia chagas vivas em toda a face e grandes lágrimas caíam na colcha da minha cama. Sem saber o que significava tudo isso, perguntei a Jesus: “Jesus, quem Vos infligiu tanta dor?”. E Jesus respondeu: Tu Me infligirás tamanha dor, se saíres desta congregação! Chamei-te para este e não para outro lugar e preparei muitas graças para ti. Pedi perdão a Nosso Senhor e imediatamente mudei a decisão tomada.

(7) No dia seguinte, era a nossa confissão. Contei tudo o que havia acontecido na minha alma, e o confessor[23] respondeu-me que era expressa vontade de Deus que eu permanecesse nesta congregação e não podia pensar numa outra ordem. A partir desse momento, sinto-me sempre feliz e contente.

20Pouco tempo depois disso, caí doente[24]. A querida madre superiora enviou-me, juntamente com duas outras irmãs[25], a Skolimów, um pouco fora de Varsóvia, para passar as férias. Nesse tempo, perguntei a Nosso Senhor por quem mais deveria rezar. Jesus respondeu-me que na noite seguinte me daria a conhecer por quem deveria rezar.

Vi o anjo da guarda, que me mandou acompanhá-lo. Imediatamente me encontrei num lugar enevoado, cheio de fogo e, dentro deste, uma multidão de almas sofredoras. Essas almas rezam com muito fervor, mas sem resultado para si mesmas. Apenas nós podemos ajudá-las. As chamas que as queimavam não me tocavam. O meu anjo da guarda não se afastava de mim nem por um momento. E perguntei a essas almas qual era o seu maior sofrimento. Responderam-me, unânimes, que o maior sofrimento delas era a saudade de Deus. Vi a Mãe de Deus que visitava as almas no purgatório. As almas chamam a Maria “Estrela do Mar”. Ela lhes traz alívio. Queria conversar mais com elas, mas o meu anjo da guarda fez-me sinal para sair. Saímos pela porta dessa prisão de sofrimento. [Ouvi uma voz interior] que me dizia: A Minha misericórdia não deseja isto, mas a justiça o exige. A partir desse momento me encontro mais unida às almas sofredoras.

21Fim do postulado [29.04.1926]. As superioras[26] enviaram-me a Cracóvia para o noviciado. Uma alegria inconcebível inundava a minha alma. Quando viemos ao noviciado[27], a irmã[28]... estava morrendo. Poucos dias depois, a irmã ... veio ter comigo, encarregando-me de falar com a madre mestra[29] e de lhe dizer para pedir ao seu confessor, padre Rospond[30], que celebrasse por ela uma santa Missa e rezasse três jaculatórias. No primeiro momento eu lhe disse que sim, mas no dia seguinte achei melhor não ir falar com a madre mestra, pois não entendia bem se se tratava de sonho ou (8) de coisa real. E não fui. Na noite seguinte a mesma coisa aconteceu de maneira mais clara; não tinha mais nenhuma dúvida. Contudo, de manhã, decidi que não contaria isso à mestra. Contaria apenas quando a visse durante o dia. Logo me encontrei com ela no corredor; ela me repreendeu por não ter ido falar com a mestra. Minha alma encheu-se de grande inquietação e, por isso, fui imediatamente falar com a madre mestra e contei-lhe tudo o que tinha acontecido. A madre respondeu que resolveria esse assunto. Imediatamente, a paz reinou em minha alma e, no terceiro dia, aquela irmã veio e disse-me: “Deus lhe pague”.

22No momento da vestidura[31], Deus deu-me a conhecer quanto eu haveria de sofrer. Vi claramente com que estava me comprometendo. Durou um minuto esse sofrimento. Deus novamente inundou a minha alma de grandes consolos.

23No final do primeiro ano de noviciado, começou a escurecer dentro da minha alma. Não sentia nenhum consolo na oração, tinha que fazer um grande esforço para a meditação, o medo começou a tomar conta de mim. Adentrando mais profundamente em mim mesma, nada vi além de uma grande miséria. Vi, também, claramente, a grande santidade de Deus, não tinha coragem de levantar os olhos para Ele, mas lançava-me por terra a Seus pés, implorando misericórdia. Passaram-se assim quase seis meses, e o estado da minha alma não mudava em nada. A nossa querida madre mestra[32] encorajava-me nesses momentos difíceis.

No entanto, esse sofrimento aumentava cada vez mais. Aproximava-se o segundo ano do noviciado. Quando me lembrava de que tinha que fazer os votos[33], um tremor dominava a minha alma. Não compreendia nada daquilo que lia, não era capaz de meditar. Parecia-me que a minha oração não era agradável a Deus. Ao receber os santos sacramentos, imaginava que, com isso, ofendia ainda mais a Deus. Contudo, o confessor[34] não permitiu que eu abandonasse uma só santa Comunhão. Deus agia de maneira estranha na minha alma. Eu não compreendia absolutamente nada do que o confessor me dizia. Verdades simples da fé tornavam-se incompreensíveis para mim; a minha alma se atormentava por não encontrar satisfação em nada. (9) Num certo momento, tive a firme ideia de ter sido rejeitada por Deus. Esse pensamento terrível atravessou a minha alma. Nesse sofrimento, a minha alma começou a agonizar. Queria morrer e não podia. Veio-me o pensamento — por que buscar as virtudes? Por que mortificar-me, se nada disso agrada a Deus? Quando contei isso à madre mestra, recebi esta resposta: “Saiba a irmã que Deus a está destinando a uma grande santidade. É sinal de que Deus deseja ter a irmã no céu, bem perto de Si. Que a irmã confie muito em Nosso Senhor”.

Esse pensamento terrível de ser rejeitada por Deus é o martírio que, na realidade, sofrem os condenados. Refugiava-me nas Chagas de Cristo, repetia palavras de confiança, mas essas mesmas palavras se tornavam um martírio ainda maior para mim. Fui para junto do Santíssimo Sacramento e comecei a dizer a Jesus: “Jesus, Vós que dissestes ‘ser mais fácil a uma mãe se esquecer do seu recém-nascido do que Deus da Sua criatura’, e, ‘ainda que ela se esquecesse, Eu que Sou Deus, não a esquecerei’. ...Ó Jesus, ouvis como se lamenta a minha alma? Dignai-Vos escutar o doloroso gemido da Vossa filha. Tenho confiança em Vós, ó Deus, ‘porque o céu e a terra passarão, mas a Vossa palavra permanece pelos séculos’ ”. Contudo, nem por um momento encontrava alívio.

24Um dia, logo depois de acordar, quando me coloquei na presença de Deus, o desespero começou a tomar conta de mim. Eram as mais profundas trevas da alma. Lutei como pude até o meio-dia.

À tarde, tomaram conta de mim temores verdadeiramente mortais, e as forças físicas começaram a abandonar-me. Depressa entrei na cela, coloquei-me de joelhos diante do crucifixo e comecei a pedir misericórdia. Contudo, Jesus não escutava as minhas súplicas. E, ao sentir que as forças me abandonavam por completo, deixei-me cair no chão. O desespero tomou conta de toda a minha alma. Estava sofrendo tormentos verdadeiramente infernais, que em nada se diferenciariam dos tormentos do inferno. Nesse estado permaneci três quartos de hora. Queria ir falar com a mestra — não tinha forças. Desejava gritar — faltava-me a voz. Providencialmente, uma das irmãs[35] entrou na cela. Quando me viu num estado tão estranho, logo avisou a mestra. A madre veio de imediato. Logo que entrou na cela pronunciou estas palavras: “Em nome da santa obediência[36], ordeno-te que te levantes!”. Imediatamente uma força misteriosa levantou-me do chão e coloquei-me em pé ao lado da querida mestra. (10) Numa conversa cordial explicava-me que se tratava de uma prova de Deus: “A irmã deve ter sempre uma grande confiança; Deus é sempre Pai, mesmo na provação”. Voltei aos meus afazeres como se tivesse saído do túmulo. Os sentidos impregnados daquilo que se havia passado na minha alma. Durante as devoções da tarde, a minha alma começou a agonizar numa escuridão terrível, sentia que estava sob o poder da justiça de Deus e que era objeto da Sua cólera. Nesses momentos terríveis disse a Deus: “Jesus, que Vos comparais no santo Evangelho à mãe mais carinhosa, confio nas Vossas palavras, porque Vós sois a verdade e a vida. Jesus, eu confio em Vós contra toda a esperança, apesar de todos os sentimentos que tenho dentro de mim e que se opõem à esperança. Fazei de mim o que quiserdes, que não me afastarei de Vós, porque Vós sois a fonte da minha vida”. Como é terrível esse sofrimento da alma! Poderá compreendê-lo apenas aquele que viveu semelhantes momentos.

25À noite, veio visitar-me a Mãe Santíssima com o Menino Jesus nos braços. A alegria encheu a minha alma e eu disse: “Ó Maria, minha Mãe, sabeis como estou sofrendo terrivelmente?”. E a Mãe Santíssima me respondeu: Sei quanto estás sofrendo, mas não tenhas medo, eu me compadeço de ti e sempre me compadecerei. Sorriu carinhosamente e desapareceu. Imediatamente voltou em minha alma a força e uma grande coragem. Contudo, isso durou apenas um dia. O inferno parecia estar conjurando contra mim. Um ódio terrível começou a invadir a minha alma, um ódio a tudo que fosse santo e divino. Eu tinha a impressão de que esses tormentos da alma iriam acompanhar-me por toda a minha existência. Dirigi-me ao Santíssimo Sacramento e disse a Jesus: “Jesus, Esposo de minha alma, vedes como a minha alma agoniza por Vós? Como podeis esconder-Vos assim diante de um coração que tanto Vos ama? Perdoai-me, Jesus, faça-se em mim a Vossa santa vontade. Sofrerei em silêncio, como uma pomba, sem me queixar. Não permitirei que o meu coração dê um só gemido de dolorosa queixa”.

26Fim do noviciado. O sofrimento não diminui em nada. Fraqueza física, dispensa de todos os exercícios espirituais[37], ou seja, mudança de oração por jaculatórias[38]. Sexta-Feira Santa[39] — Jesus arrebata o meu coração para o próprio fogo do Seu amor. Isso se deu durante a adoração noturna. De repente, envolveu-me a presença de Deus. Esqueci-me de tudo. Jesus deu-me a conhecer quanto sofreu (11) por mim. Isso durou muito pouco. Uma terrível saudade. Sede de amar a Deus.

27Primeiros votos[40]. Um ardente desejo de aniquilar-me por Deus através do amor ativo e, no entanto, imperceptível até mesmo para as irmãs mais próximas.

Contudo, mesmo depois dos votos, a escuridão reinou no meu coração quase por seis meses. Mas, uma vez, durante a oração, Jesus tomou conta de toda a minha alma. Dissipou-se a escuridão. Ouvi dentro de mim estas palavras: Tu és a Minha alegria, tu és a delícia do Meu Coração. Desde aquele momento, senti no meu coração, ou seja, no meu interior, a Santíssima Trindade. De maneira sensível, sentia-me inundada pela luz divina. A partir de então a minha alma passou a viver com Deus, como uma criança com o seu Pai amado.

28Em certo momento Jesus me disse: Vai falar com a madre superiora[41] e pede-lhe que te permita usar o cilício[42] por sete dias e uma vez, durante a noite, te levantarás e virás à capela. Respondi que o faria, mas tinha certa dificuldade de dirigir-me à superiora. À tarde, Jesus perguntou-me: Até quando vais adiar? Resolvi contar isso à madre superiora, logo que a encontrasse. No dia seguinte, antes do meio-dia, percebi que a madre superiora ia para o refeitório, e como este fica ao lado da cozinha e do quartinho de irmã Aloiza, pedi à madre superiora que me acompanhasse ao quartinho de irmã Aloiza e transmiti-lhe o desejo de Jesus. A isso respondeu-me a madre: “Não permito que a irmã use nenhum cilício. Absolutamente nenhum. Se Nosso Senhor der à irmã as forças de um colosso, então permitirei essas mortificações”. Pedi desculpas à madre por ter tomado seu tempo, e saí do quartinho. Então vi Nosso Senhor, que estava parado à porta da cozinha, e disse a Ele: “Mandastes que eu fosse pedir licença para essas mortificações, e a madre superiora não as quer permitir”. Então Jesus me disse: Estive aqui durante essa conversa com a superiora, sei de tudo e não estou exigindo as tuas mortificações, mas a obediência. Através disso, tu estás Me dando uma grande glória e recebendo méritos para ti mesma.

29Quando uma das madres soube do meu convívio tão íntimo com Nosso Senhor, disse-me que eu estava me iludindo. Disse-me que Nosso Senhor se relaciona dessa maneira apenas com santos, e não com almas pecadoras, “como a tua”. (12) Desde esse momento, como que deixei de acreditar em Jesus. Na conversa da manhã, disse a Jesus: “Jesus, será que não sois uma ilusão?” — Jesus respondeu-me: O Meu amor não engana ninguém.

30† Em certo momento, estava refletindo sobre a Santíssima Trindade, sobre a Essência de Deus. Queria a todo custo aprofundar e conhecer quem é esse Deus... De súbito, o meu espírito foi arrebatado como que para o outro mundo. Vi uma claridade inacessível, e nela como que três fontes de luz, que não podia compreender. E dessa claridade saíam palavras como trovões que envolviam o céu e a terra. Não compreendendo nada daquilo, fiquei muito triste. Nesse momento, do mar de claridade inacessível saiu o nosso amado Salvador em beleza inconcebível, com Chagas brilhantes. E daquela claridade ouvia-se esta voz: Como Deus é na Sua Essência, ninguém compreenderá, nem a inteligência dos anjos, nem a humana. Jesus me disse: Procura conhecer a Deus, refletindo sobre os Seus atributos. Após um momento, Nosso Senhor fez o sinal da cruz com a mão e desapareceu.

31† Em determinado momento, vi multidões de pessoas em nossa capela, em frente dela e na rua, porque não cabiam nela[43]. A capela estava solenemente ornamentada. Junto ao altar havia um grande número de membros do clero; em seguida, as nossas irmãs e também muitas de outras congregações. Todos aguardavam a pessoa que devia tomar o seu lugar no altar. De repente, ouvi uma voz que me dizia que era eu quem devia ocupar esse lugar do altar. Mas logo que saí de casa, isto é, do corredor, para atravessar o pátio e ir à capela, atendendo à voz que me chamava, todas as pessoas começavam a atirar em mim o que podiam: lama, pedras, areia, vassouras, de modo que, a princípio, hesitei, não sabendo se devia ir adiante. No entanto, aquela voz me chamava com mais força ainda e, apesar de tudo, comecei a andar corajosamente.

Enquanto entrava na capela, as superioras, as irmãs e as educandas[44], e até mesmo os meus pais, começaram a atingir-me com o que tinham à mão, de maneira que, quer quisesse quer não, tive que dirigir-me ao lugar que estava reservado para mim no altar. Logo que ocupei o lugar reservado, (13) o mesmo povo, as educandas, as irmãs, as superioras e os meus pais começaram a estender suas mãos para mim e a pedir graças. Eu não estava zangada com eles por terem jogado contra mim todas aquelas coisas. Surpreendentemente, sentia de modo estranho um amor mais especial, justamente para com aquelas pessoas que me obrigaram a entrar mais depressa no lugar reservado. Naquele momento, a minha alma foi inundada por uma felicidade inconcebível e ouvi estas palavras: Faz o que te aprouver, distribui graças como quiseres, a quem quiseres e quando quiseres. Rapidamente, a visão desapareceu.

32Uma vez ouvi estas palavras: Vai falar com a superiora e pede que te permita fazer diariamente uma hora de adoração, durante nove dias; nessa adoração, procura unir a tua oração à de Minha Mãe. Reza de coração em união com Maria e, também, procura durante esse tempo fazer a via-sacra. Recebi a permissão, não para uma hora inteira, mas apenas para o quanto me permitisse o tempo após as minhas obrigações.

33Eu devia fazer essa novena na intenção da nossa pátria. No sétimo dia da novena, vi a Mãe de Deus entre o céu e a terra, vestida de branco, rezando com os braços cruzados sobre o peito, olhando para o céu. E do seu Coração saíam raios de fogo: uns se dirigiam para o céu, enquanto outros cobriam a nossa terra[45].

34Quando falei dessas várias coisas ao confessor[46], respondeu-me que isso podia provir realmente de Deus, mas podia ser também uma ilusão. E, como era continuamente transferida, não tinha um confessor permanente; além disso, sentia grande dificuldade para contar tais coisas. Rezava fervorosamente para que Deus me desse esta grande graça — isto é, um diretor espiritual. Mas alcancei essa graça só depois dos votos perpétuos, quando cheguei a Vilnius. É o Pe. Sopoćko[47]. Concedeu-me Deus conhecê-lo primeiro interiormente, antes de eu chegar a Vilnius[48].

35Oh, se desde o início tivesse tido um diretor espiritual, não teria desperdiçado tantas graças divinas. Um confessor pode ajudar muito à alma, mas pode também estragar muita coisa. Oh, quanto os confessores devem dar atenção à ação da graça de Deus nas almas de seus penitentes[49]; isso é muito importante. Pelas graças concedidas à alma pode-se conhecer o grau da sua intimidade com Deus.

36(14) Em determinado momento, fui chamada para o julgamento divino. Achei-me diante do Senhor, face a face. Jesus estava com a aparência que tinha na Paixão. Após um momento, desapareceram as Chagas, e ficaram apenas cinco: nas mãos, nos pés e no lado. Imediatamente, vi todo o estado da minha alma, da forma como Deus a vê. Vi claramente tudo o que não agradava a Deus. Não sabia que é preciso prestar contas ao Senhor, mesmo de faltas tão pequenas. Que momento! Quem poderá descrevê-lo? — Encontrar-se diante do Três Vezes Santo! — Jesus perguntou-me: “Quem és?” Respondi: “Sou Vossa serva, Senhor”. “És culpada de um dia de fogo no purgatório”. Queria jogar-me imediatamente nas chamas de fogo do purgatório, mas Jesus deteve-me e disse: “O que preferes: sofrer agora por um dia, ou, por pouco tempo, na terra?”. Respondi: “Jesus, quero sofrer no purgatório e quero sofrer na terra os maiores tormentos, ainda que seja até o fim do mundo”. Jesus disse: “Será suficiente uma só coisa. Tu descerás à terra e sofrerás muito, mas não por muito tempo, e cumprirás a Minha vontade e os Meus desejos, e um fiel servo Meu te ajudará a cumpri-los”.

Agora reclina a tua cabeça sobre Meu peito, sobre o Meu Coração, e tira dele força e vigor para todos os sofrimentos, porque em nenhum lugar encontrarás alívio, ajuda ou consolo. Deves saber que muito, muito, terás que sofrer, mas não te assustes com isso: Eu estou contigo.

37Pouco tempo depois, o meu estado de saúde piorou[50]. Os sofrimentos físicos eram uma escola de paciência para mim. Só Jesus sabe quantos esforços de vontade tive que fazer para cumprir as minhas obrigações[51].

38Jesus, querendo purificar uma alma, utiliza os instrumentos que quer. A minha alma sentia um total abandono por parte das criaturas[52]. Às vezes, a minha intenção mais pura era mal interpretada pelas irmãs[53]. Esse sofrimento era muito doloroso, mas Deus o estava permitindo, sendo preciso aceitá-lo, porque através dele nos tornamos mais semelhantes a Jesus. Uma coisa, porém, não podia [compreender] por muito tempo — isto é, que Jesus mandasse que eu falasse de tudo às superioras, e estas não acreditavam nas minhas palavras, mas demonstravam que tinham pena de mim, como se eu estivesse iludida, ou vítima da minha imaginação.

Por esse motivo, temendo estar iludida, resolvi evitar interiormente a Deus — receando as ilusões. (15) Contudo, a graça de Deus perseguia-me a cada passo. E, quando menos esperava, Deus falava comigo.

39† Certo dia, Jesus me disse que havia de punir uma cidade[54], que é a mais bela da nossa pátria. Esse castigo deveria ser — o mesmo que Deus enviou contra Sodoma e Gomorra[55]. Vi a grande ira de Deus, e um estremecimento atravessou o meu coração. Eu rezava em silêncio. Depois de um momento, Jesus me disse: Minha filha, une-te estreitamente a Mim durante o Sacrifício e oferece ao Pai Celestial o Meu Sangue e as Minhas Chagas em expiação pelos pecados dessa cidade. Repete isso sem cessar durante toda a santa Missa. Faz isto durante sete dias. No sétimo dia, vi Jesus numa nuvem brilhante e comecei a pedir que Jesus olhasse para a nossa cidade e para todo o nosso país. E Jesus olhou benignamente. Quando percebi a benevolência de Jesus, comecei a suplicar-Lhe a bênção. Então, Jesus me disse: Por ti, abençoo todo o país — e fez um grande sinal da cruz com a mão sobre a nossa pátria. Vendo a bondade de Deus, uma grande alegria inundou a minha alma.

40† Ano de 1929. Uma vez, durante a santa Missa, senti a proximidade de Deus de uma maneira muito especial, apesar de me defender disso e me afastar de Deus. Fugia muitas vezes de Deus porque não queria ser vítima do espírito maligno, como muitas vezes me diziam que eu era. E esta incerteza durou muito tempo. Durante a santa Missa, antes da sagrada Comunhão, havia a renovação dos votos[56]. Quando saímos dos genuflexórios e começamos a recitar a fórmula dos votos, Jesus colocou-se, de repente, ao meu lado em vestes brancas, cingido por um cinto de ouro, e disse-me: Concedo-te o eterno amor, para que a tua pureza seja sem mácula e como prova de que nunca sofrerás tentações de impureza — Jesus tirou Seu cinto de ouro e cingiu com ele a minha cintura. A partir desse momento, não sinto nenhum tipo de tentações contra a virtude, nem no coração, nem na mente. Compreendi mais tarde que essa tinha sido uma das maiores graças que a Santíssima Virgem Maria havia obtido para mim, porque Lhe pedi essa graça durante muitos anos. Desde então, maior é a minha devoção para com a Mãe de Deus. Foi Ela quem me ensinou a amar a Deus interiormente e como em tudo cumprir a Sua santa vontade. Sois alegria, ó Maria, porque por vós Deus desceu à terra e ao meu coração.

41(16) Uma outra vez, vi um dos servos de Deus em perigo de pecado mortal, que deveria ocorrer dentro de momentos. Comecei a pedir a Deus que enviasse para mim todos os tormentos do inferno, todos os sofrimentos que quisesse, desde que assim livrasse e arrancasse esse sacerdote da ocasião de cometer o pecado. Jesus ouviu a minha prece e imediatamente senti sobre a minha cabeça a coroa de espinhos. Os espinhos dessa coroa perfuravam até o meu cérebro. Isso durou três horas — e o servo de Deus ficou livre daquele pecado e Deus fortificou a sua alma com uma graça especial[57].

42† Em determinado momento, no dia de Natal, comecei a sentir-me toda envolvida pela onipotente presença de Deus. E novamente evitei interiormente o encontro com o Senhor. Pedi permissão à madre superiora para ir a Józefinek[58], [a fim de] visitar as irmãs. A madre superiora deu-nos a permissão e logo após o almoço começamos a preparar-nos. As irmãs já me aguardavam no portão. Eu corri ainda à cela, para pegar a capa. Quando voltava da cela e passava perto da pequena capela[59], vi na soleira Jesus, que me disse estas palavras: Vai, mas Eu tomo o teu coração. E, de repente, senti que não tinha mais o coração no meu peito. Mas, como as irmãs chamaram a minha atenção por que não andava mais depressa, pois já se fazia tarde, imediatamente fui com elas. Contudo, uma grande angústia começou a atormentar-me. Uma estranha saudade apoderou-se de minha alma, mas ninguém sabia disso, apenas Deus sabia do que tinha ocorrido na minha alma.

Quando ficamos um pouco em Józefinek, eu disse às irmãs: “Vamos voltar para casa”. As irmãs pediram para descansar um pouco mais, mas o meu espírito não podia ficar em paz. Eu me justificava dizendo que devíamos voltar antes do anoitecer e o caminho era bastante longo; e logo voltamos para casa. Quando a madre superiora nos encontrou no corredor, perguntou-me: “As irmãs ainda não foram, ou já voltaram?”. Respondi que já tínhamos voltado, porque não queria chegar tarde. Troquei de roupa e logo fui à pequena capela. Logo que entrei, Jesus me disse: Vai falar com a madre superiora e conta-lhe que voltaste, não para estar em casa antes do anoitecer, mas porque te tirei o coração. Embora isso me custasse muito, fui (17) falar com a superiora e disse sinceramente o motivo por que voltei cedo, e pedi perdão ao Senhor por tudo o que não Lhe agradava. Nesse instante, Nosso Senhor inundou a minha alma com uma grande alegria. Compreendi que, fora de Deus, não existe contentamento em parte alguma.

43Em determinado momento, vi duas irmãs que estavam prestes a entrar no inferno[60]. Uma dor indizível oprimiu a minha alma e roguei a Deus por elas — e disse-me Jesus: Vai falar com a madre superiora e conta-lhe que essas duas irmãs estão em ocasião de cometer um pecado grave. No dia seguinte, disse isso à superiora. Uma delas já está em grande fervor, e a outra, em grande luta.

44Em determinado momento, Jesus me disse: Abandonarei esta casa... visto que há nela coisas que não Me agradam[61]. E a Hóstia saiu do sacrário e pousou nas minhas mãos e eu, com alegria, coloquei-a novamente no sacrário. Repetiu-se isso uma segunda vez, e eu fiz com Ela a mesma coisa. Mas isso se repetiu pela terceira vez, e então a Hóstia transformou-se em Nosso Senhor vivo — e Jesus me disse: Não ficarei aqui por mais tempo! Na minha alma acendeu-se, de repente, um vivo amor para com Jesus. Disse-Lhe: “E eu não Vos deixarei sair desta casa, Jesus”. E novamente Jesus desapareceu, e a Hóstia pousou nas minhas mãos. Uma vez mais coloquei-a no cálice e fechei o sacrário. E Jesus ficou conosco. Procurei por três dias fazer uma adoração reparadora.

45Em determinado momento, Jesus me disse: Diz à madre geral[62] que nesta casa... está sendo cometida tal e tal coisa ... que não Me agrada e que muito Me ofende. Não contei isso logo à madre, mas a inquietação que o Senhor enviou sobre mim não permitiu que eu demorasse sequer mais um momento, e imediatamente escrevi à madre geral e a paz entrou em minha alma.

46Frequentemente eu sentia a Paixão do Senhor no meu corpo, embora de forma imperceptível. Alegrava-me com isso, porque Jesus assim o queria. Mas isso durou pouco tempo. Esses sofrimentos inflamavam a minha alma com o fogo do amor a Deus e às almas imortais. O amor suporta tudo, o amor vencerá a morte, o amor não teme nada...

(18) † 1931, dia 22 de fevereiro.

47À noite, quando me encontrava na minha cela, vi Nosso Senhor vestido de branco. Uma das mãos erguida para abençoar, enquanto a outra tocava-Lhe a túnica sobre o peito. Da túnica entreaberta sobre o peito saíam dois grandes raios, um vermelho e o outro pálido. Em silêncio, eu contemplava o Senhor. A minha alma estava cheia de temor, mas também de grande alegria. Logo depois, Jesus me disse: Pinta uma Imagem de acordo com o modelo que estás vendo, com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós. Desejo que essa Imagem seja venerada primeiramente na vossa capela e depois no mundo inteiro[63].

48Prometo que a alma que venerar essa Imagem não perecerá. Prometo também, já aqui na terra, a vitória sobre os inimigos, e especialmente na hora da morte. Eu mesmo a defenderei como Minha própria glória.

49Quando falei disso ao confessor[64], recebi esta resposta: “Isso diz respeito à tua alma”. Disse-me assim: “Pinta a imagem de Deus na tua alma”. Quando saí do confessionário, ouvi novamente estas palavras: A Minha imagem já está na tua alma. Eu desejo que haja a Festa da Misericórdia. Quero que essa Imagem, que pintarás com o pincel, seja abençoada solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia.

50† Desejo que os sacerdotes anunciem essa Minha grande misericórdia para com as almas pecadoras. Que o pecador não tenha medo de se aproximar de Mim. Queimam-Me as chamas da misericórdia; quero derramá-las sobre as almas.

Jesus queixou-se diante de mim com estas palavras: A falta de confiança das almas dilacera-Me as entranhas. Dói-Me ainda mais a desconfiança da alma escolhida. Apesar do Meu amor inesgotável — não acreditam em Mim, mesmo a Minha morte não lhes é suficiente. Ai da alma que abusar desse amor!

51(19) Quando falei disso à madre superiora[65], do que Deus está exigindo de mim, respondeu-me que, através de algum sinal, Jesus desse a conhecer mais claramente o que pretendia.

Quando pedia a Nosso Senhor algum sinal como prova — de que verdadeiramente sois Deus e meu Senhor, e de que de Vós procedem essas exigências, ouvi esta voz interior: Darei a conhecer aos superiores, por meio das graças que concederei através dessa Imagem.

52Quando quis afastar-me dessas inspirações interiores, Deus disse-me que, no dia do Juízo, exigirá de mim um grande número de almas.

53Certa vez, cansada dessas diversas dificuldades que tinha por causa de Jesus falar-me e exigir a pintura da Imagem, decidi firmemente, antes dos votos perpétuos, pedir a frei Andrasz[66] que me dispensasse daquelas inspirações interiores e da obrigação de pintar a Imagem. Depois de me ouvir em confissão, frei Andrasz deu-me esta resposta: “Não dispenso a irmã de nada e a irmã não pode esquivar-se dessas inspirações interiores, mas a irmã deve, necessariamente, relatar tudo ao confessor, sem falta, porque de outra forma a irmã incorrerá em erro, apesar dessas grandes graças de Deus. Neste momento, a irmã está se confessando comigo, mas saiba que devia ter um confessor permanente, isto é, um diretor espiritual”.

Fiquei imensamente preocupada com tudo isso. Pensei que me livraria de tudo e aconteceu o contrário — uma ordem explícita para atender às exigências de Jesus. E agora um novo tormento, de não ter um confessor permanente. E se durante algum tempo me confesso [com algum padre], não posso desvendar-lhe a minha alma quanto às graças, o que me causa um sofrimento indizível. Pedi então a Jesus que concedesse essas graças a alguma outra pessoa, porque eu não sei aproveitá-las e apenas as desperdiço. “Jesus, tende misericórdia de mim, não me confieis coisas tão grandes, bem vedes que sou um pozinho incompetente”.

Contudo, a bondade de Jesus é infinita e Ele prometeu-me ajuda visível na terra e a recebi em breve (20) em Vilnius[67]. Reconheci no Pe. Sopoćko essa ajuda de Deus. Antes de chegar a Vilnius, conheci-o por uma visão interior. Certo dia, vi-o na nossa capela entre o altar e o confessionário. Então ouvi uma voz na alma: Eis a tua ajuda visível na terra. Ele te ajudará a cumprir a Minha vontade na terra.

54† Certa vez, cansada de tantas incertezas, perguntei a Jesus: “Jesus, Vós sois realmente o meu Deus ou algum fantasma? É que, segundo me dizem as superioras, existem ilusões e fantasmas de diversos tipos. Se sois o meu Senhor, peço que me abençoeis”. Então Jesus fez um grande sinal da cruz sobre mim e eu me persignei.

Quando pedi perdão a Jesus por essa pergunta, Ele me respondeu que, com essa pergunta, não Lhe causava nenhum dissabor e que Lhe agradava muito a minha confiança.

551933. † Conselho espiritual que me foi dado pelo frei Andrasz, S.J.

Primeiro: A irmã não pode afastar-se dessas inspirações interiores, mas deve sempre contar tudo ao confessor. Se a irmã reconhecer que essas inspirações interiores se relacionam com a sua alma, isto é, são de proveito para ela, ou ainda para outras almas, peço-lhe que obedeça a elas e não as despreze, mas sempre entendendo-se com o seu confessor.

Segundo: Se essas inspirações não estiverem de acordo com a fé e com o espírito da Igreja, devem ser imediatamente afastadas, porque são do espírito maligno.

Terceiro: Se essas inspirações não se reportarem às almas em geral, nem especialmente ao bem delas, a irmã não se preocupe muito e nem lhes dê qualquer atenção.

Contudo, a irmã não se guie nisso por si mesma, porque, de uma forma ou de outra, pode incorrer em erro apesar dessas grandes graças divinas. Humildade, humildade e sempre humildade, porque por nós mesmos nada podemos. Tudo isso é apenas graça de Deus.

Tu me dizes que Deus exige uma grande confiança das almas. Por isso, demonstra essa confiança, tu primeiro.

Mais uma palavra — aceita tudo isso com serenidade”.

(21) Palavras de um dos confessores[68]: “Irmã, Deus está preparando-lhe muitas graças especiais, mas a irmã se esforce para que a sua vida seja tão pura como uma lágrima diante do Senhor, não se importando com o que alguém possa pensar da irmã. Que lhe baste Deus e apenas Ele”.

No fim do noviciado, o confessor[69] me disse estas palavras: “Vai pela vida fazendo o bem, para que eu possa escrever nas páginas da tua vida: Passou pela vida fazendo o bem[70]. Que Deus realize isso na irmã”.

Numa outra ocasião, o confessor me disse: “Comporta-te diante de Deus como aquela viúva do Evangelho que, tendo depositado uma moeda na caixa dos pobres — teve mais merecimentos diante de Deus do que as grandes ofertas dos outros” [71].

Uma outra vez, recebi este ensinamento: “Procura fazer com que todo aquele que se encontrar contigo se despeça feliz. Cria à tua volta uma atmosfera de felicidade, porque tu recebeste muito de Deus, e por isso dá muito aos outros. Que todos saiam da tua presença felizes, ainda que toquem apenas na borda da tua veste[72]. Lembra-te bem destas palavras que neste momento estou te dizendo”.

Numa outra ocasião, disse-me estas palavras: “Permite que Deus conduza o barco da tua vida para as águas profundas, para a profundidade insondável da vida interior”.

Algumas palavras da conversa com a madre mestra[73] no final do noviciado: “Que a simplicidade e a humildade sejam o timbre característico da alma da irmã. Que a irmã siga ao longo da sua vida como uma criança, sempre confiante, sempre cheia de simplicidade e de humildade, satisfeita com tudo, feliz com tudo; onde outras almas se atemorizam, que a irmã passe tranquilamente, graças à simplicidade e à humildade. Que a irmã lembre-se por toda a vida que, da mesma forma que as águas descem das montanhas para as planícies, assim também as graças de Deus apenas se derramam sobre as almas humildes”.

56Ó meu Deus, compreendo bem que exigis de mim essa infância espiritual[74], porque exigis isso de mim continuamente pelos Vossos representantes.

(22) Os sofrimentos e as contrariedades no começo da vida religiosa me assustavam e me tiravam a coragem[75]. Era por isso que rezava sem cessar para que Nosso Senhor me fortalecesse e me desse a força do Seu Santo Espírito, a fim de que eu pudesse cumprir em tudo a Sua santa vontade, porque desde o início conhecia e reconheço a minha fraqueza. Sei bem o que sou por mim mesma, por isso Jesus desvendou aos olhos da minha alma todo o abismo da miséria que eu sou, e por isso compreendo bem que tudo o que há de bom na minha alma é unicamente a Sua santa graça. Esse reconhecimento da minha miséria me permite ao mesmo tempo conhecer o abismo da Vossa misericórdia. Na minha vida interior, olho com um dos olhos para o abismo da minha miséria e maldade, e com outro, para o abismo da Vossa misericórdia, ó Deus.

57Ó meu Jesus, que sois a vida da minha vida, Vós sabeis bem que não desejo nada além da glória do Vosso Nome e que as almas conheçam a Vossa bondade. Por que as almas se afastam de Vós, ó Jesus — isso eu não compreendo. Oh, se eu pudesse cortar o meu coração em pedacinhos pequenos e dessa maneira oferecer-Vos, Jesus, cada pedacinho como se fosse o coração inteiro, para ao menos em parte Vos desagravar pelos corações que não Vos amam. Amo-Vos, Jesus, com cada gota do meu sangue que derramaria de boa vontade por Vós, para Vos dar uma prova do meu amor sincero. Ó Deus, quanto mais Vos conheço, tanto menos Vos consigo entender, mas essa mesma incompreensão dá-me a conhecer como sois grande, ó Deus. E essa impossibilidade de Vos compreender inflama o meu coração com uma nova chama por Vós, ó Senhor. A partir do momento em que me permitistes mergulhar o olhar da minha alma em Vós, ó Jesus, fico em paz e nada mais desejo. Encontrei o meu destino no momento em que a minha alma mergulhou em Vós, no único objeto do meu amor. Todas as coisas nada são em comparação Convosco. Os sofrimentos, as contrariedades, as humilhações, os insucessos, os maus juízos de que sou vítima não passam de gravetos que acendem o meu amor por Vós, ó Jesus.

São loucos e inatingíveis os meus desejos. Desejo esconder diante de Vós que sofro. Desejo nunca ser recompensada pelos (23) meus esforços e boas ações. Ó Jesus, Vós somente sois a minha recompensa. Vós me bastais, ó tesouro do meu coração. Desejo participar do sofrimento dos outros, esconder no coração os meus próprios sofrimentos, não apenas diante do próximo, mas também diante de Vós, Jesus.

O sofrimento é uma grande graça. Pelo sofrimento, a alma assemelha-se ao Salvador. No sofrimento, cristaliza-se o amor. Quanto maior o sofrimento, tanto mais puro torna-se o amor.

58† Em determinado momento, à noite, veio ter comigo uma das nossas irmãs, que morreu há dois meses[76]. Era uma irmã do primeiro coro. Vi-a num estado terrível. Toda em chamas, o rosto retorcido de dores. Isso durou um breve momento e logo desapareceu. Um tremor atravessou a minha alma, porque não sabia onde sofria, se no purgatório ou no inferno; contudo, dobrei as minhas orações por ela. Na noite seguinte veio novamente, mas a vi em estado mais terrível, em chamas ainda mais intensas; no seu rosto estampava-se o desespero. Fiquei muito admirada porque, depois das orações que por ela ofereci, vi-a em pior estado e perguntei: “Não lhe ajudaram as minhas orações?”. Respondeu-me que nada lhe ajudaram as minhas orações e nada ajudariam. Perguntei: “As orações que toda a congregação lhe tinha oferecido, também essas não lhe trouxeram nenhuma ajuda?”. Respondeu-me que nenhuma. “Essas orações beneficiaram outras almas”. Disse-lhe então: “Se as minhas orações nada ajudaram à irmã, peço que não volte mais a mim”. E desapareceu imediatamente. No entanto, eu não cessava de rezar. Depois de algum tempo, veio visitar-me novamente à noite, mas num estado diferente. Já não estava em chamas, como antes, e o seu rosto estava radiante, os olhos brilhavam de alegria e me disse que tenho o verdadeiro amor para com o próximo, que muitas outras almas tiraram proveito das minhas orações e me encorajou a não deixar [de rezar] pelas almas que sofrem no purgatório e me disse que ela já não ficaria por muito tempo no purgatório. Os desígnios de Deus são verdadeiramente admiráveis!

59(24) 1933. Em determinado momento ouvi esta voz na alma: Faz uma novena pela pátria. Esta novena constará da recitação da ladainha de todos os santos. Pede a permissão do confessor.

60Na próxima confissão recebi a permissão e já à noite comecei essa novena. Ao final da ladainha vi uma grande claridade e nela Deus Pai. Entre essa claridade e a terra, vi Jesus pregado na cruz e de tal maneira que Deus Pai, querendo olhar para a terra — tinha que olhar pelas Chagas de Jesus. E compreendi que por Jesus Ele abençoa a terra.

61Jesus, agradeço-Vos por essa grande graça, isto é, pelo confessor, que Vós mesmo Vos dignastes escolher para mim e permitistes que o conhecesse primeiramente por uma visão, antes de conhecê-lo pessoalmente[77]. Quando fui confessar-me com frei Andrasz, pensei que seria dispensada de seguir essas inspirações interiores. Respondeu-me o frei que não podia dispensar-me disso, “mas reze, irmã, para obter um diretor espiritual”.

Depois de uma breve mas fervorosa oração vi novamente o Pe. Sopoćko na nossa capela entre o confessionário e o altar. Encontrava-me, nessa altura, em Cracóvia. Foram essas duas visões que me fortaleceram espiritualmente, ainda mais quando o encontrei assim como o tinha visto nessas visões: tanto aquela em Varsóvia, durante a minha terceira provação[78], como essa em Cracóvia. Jesus, agradeço-Vos por essa grande graça!

O temor me assalta agora, quando ouço alguém dizer que não tem um confessor, ou seja, diretor espiritual, porquanto sei quão grandes prejuízos eu mesma levava quando não tinha essa ajuda. Sem um diretor espiritual, é fácil incorrer em erro.

62Ó vida cinzenta e monótona, quantos tesouros há em ti! Nenhuma hora se assemelha à outra, pois o enfado e a monotonia desaparecem quando olho para tudo com os olhos da fé. A graça que é destinada para mim nesta hora não se repetirá na hora seguinte. Ela me será dada, mas já não será a mesma. O tempo passa e nunca volta. O que, porém, nele se encerra não mudará jamais, fica selado por todos os séculos.

63(25) † O Pe. Sopoćko deve ser muito amado por Deus. Digo isso porque percebi como Deus o defende em certos momentos. Vendo isso, alegro-me imensamente por Deus dispor de tais eleitos.

64Ano de 1928. Excursão ao Calvário[79]. Vim para Vilnius por dois meses, a fim de substituir uma irmã[80] que foi para a terceira provação, no entanto acabei por permanecer um pouco mais do que dois meses. Certo dia, a madre superiora[81] queria me proporcionar uma alegria e permitiu que, em companhia de uma irmã[82], eu fosse ao Calvário para a assim chamada “comemoração dos pequenos caminhos”[83]. Fiquei muito feliz com isso. Embora fosse bastante perto, devíamos viajar de barco, tal como o desejava a madre superiora. À noite, Jesus me disse: Eu desejo que fiques em casa. Respondi: “Jesus, já está tudo preparado, uma vez que devemos partir amanhã. O que eu farei agora?”. O Senhor me respondeu: Essa excursão será prejudicial à tua alma. Respondi a Jesus: “Afinal, Vós podeis arranjar isso. Guiai as circunstâncias de tal forma que seja feita a Vossa vontade”. Nesse momento, soou a campainha para o descanso. Com um olhar, despedi-me de Jesus e fui à cela.

Amanheceu um dia bonito; a minha companheira estava feliz pela grande alegria que teríamos, porque poderíamos visitar tudo; mas eu estava certa de que não iríamos, embora não houvesse até então nenhum obstáculo para que não fôssemos.

Deveríamos receber a santa Comunhão mais cedo e partir logo após a ação de graças. Então, durante a santa Comunhão, de um bonito tempo fez-se um dia completamente diferente. Não se sabia como as nuvens cobriram todo o céu e começou a chover torrencialmente. Todos ficaram admirados, porque de um tempo tão bonito não se esperaria chuva tão repentina e ainda que em tempo tão curto houvesse tamanha mudança.

(26) A madre superiora me disse: “Que pena as irmãs não poderem viajar”. Respondi: “Madre, não faz mal que não vamos, é vontade de Deus que fiquemos em casa”. Contudo, ninguém sabia que era o expresso desejo de Jesus que eu ficasse em casa. Passei o dia todo em recolhimento e meditação; agradecia ao Senhor por me ter retido em casa. Nesse dia, Deus me concedeu muitos consolos celestiais.

65Em determinado momento, no noviciado, quando a madre mestra me designou para a cozinha[84] das crianças, fiquei imensamente preocupada com isso, porque não podia dar conta das panelas, pois eram muito grandes. O mais difícil era escoar a água das batatas; algumas vezes, a metade das batatas caía fora. Quando contei isso à madre mestra, ela me respondeu que aos poucos me acostumaria e adquiriria prática. Contudo, essa dificuldade não desaparecia, visto que as minhas forças diminuíam dia a dia e, em consequência da falta de forças, eu me esquivava quando era preciso escoar a água das batatas. As irmãs começaram a perceber que eu me furtava a esse trabalho e ficaram muito admiradas; não sabiam que eu não podia ajudar, apesar de me esforçar com todo o meu zelo e de não poupar a mim mesma. Ao meio-dia, no exame de consciência, queixei-me a Deus daquela falta de forças. Então ouvi na alma estas palavras: De hoje em diante farás isso com grande facilidade. Fortalecerei as tuas forças. Ao anoitecer, quando chegou a hora de despejar a água das batatas — apressei-me por primeira, confiante nas palavras do Senhor. Com toda a facilidade peguei a panela e derramei a água perfeitamente bem. Mas, quando tirei a tampa, para deixar sair o vapor das batatas, em vez de batatas vi dentro da panela ramalhetes inteiros de rosas vermelhas, tão belas que é difícil descrevê-las. Nunca tinha visto rosas assim. Fiquei atônita com o fato, sem compreender o seu significado,[85] mas, nesse momento, ouvi uma voz na alma: Estou transformando o teu trabalho tão pesado em buquês das mais belas flores, e o seu perfume eleva-se até o Meu trono. A partir daí, eu procurava tirar a água das batatas não somente durante a minha semana[86], designada (27) para eu cozinhar, mas também na semana[87] das outras irmãs, substituindo-as nesse trabalho. Não apenas nesse trabalho, mas em todo trabalho pesado procurava vir em auxílio por primeiro, visto que verifiquei quanto isso era agradável a Deus.

66Ó tesouro inesgotável da pureza de intenção, que tornas todas as nossas ações perfeitas e tão agradáveis a Deus!

Ó Jesus, Vós sabeis como sou fraca, por isso ficai sempre comigo, guiai os meus atos, todo o meu ser. Vós, meu melhor Mestre! Na verdade, Jesus, o temor me assalta quando vejo a minha miséria, mas ao mesmo tempo me tranquilizo vendo a Vossa insondável misericórdia, que, sendo eterna, é maior que a minha miséria. E essa disposição de ânimo me reveste da Vossa força; que alegria brota do conhecimento de si mesmo. Ó Verdade imutável, a Vossa constância é eterna!

67Logo depois dos primeiros votos, tive problemas de saúde[88]. Apesar do cordial e zeloso cuidado das superioras e dos médicos, não me sentia nem pior nem melhor; então, começaram a chegar aos meus ouvidos insinuações de que eu estava fingindo. Esse fato redobrou ainda meu sofrimento. Isso perdurou por um bom tempo. Certo dia, queixava-me a Jesus por constituir um peso para as irmãs. Jesus respondeu-me: Não vives para ti mesma, mas para as almas. Dos teus sofrimentos terão proveito outras almas. O teu contínuo sofrimento lhes dará luz e forças para aceitarem a Minha vontade.

68O sofrimento mais doloroso para mim era o fato de achar que nem as minhas orações nem as boas ações eram agradáveis a Deus. Não ousava levantar os olhos para o céu. Isso me causava tão grande sofrimento que, quando me encontrava na capela participando dos exercícios espirituais em comum, a madre superiora[89], terminados os exercícios, chamou-me à parte e me disse: “A irmã peça a Deus graça e consolo, porque realmente eu mesma vejo, (28) e as irmãs me dizem, que o próprio aspecto da irmã já desperta compaixão. Realmente, nem sei o que fazer com a irmã. Ordeno que a irmã não se aflija com coisa alguma”. Entretanto, todas essas conversas com a madre superiora não me traziam qualquer alívio, nem qualquer esclarecimento sobre o meu estado. Uma escuridão ainda maior me ocultava Deus. Buscava auxílio no confessionário, mas também ali não o encontrava. Um santo sacerdote queria ajudar-me, mas eu me encontrava numa tão miserável situação que nem sabia definir os meus sofrimentos, e isso me atormentava ainda mais. Uma tristeza mortal se apoderava da minha alma, com tal intensidade, que não era capaz de escondê-la, mas era visível exteriormente. Perdi a esperança. Noite cada vez mais escura. O sacerdote com quem me confessava me disse: “Vejo na irmã graças especiais e estou completamente tranquilo a seu respeito. Por que a irmã se atormenta tanto?”. Contudo, naquele momento, eu não compreendia isso, por isso admirava-me muito quando, por penitência, me mandava rezar o “Te Deum” ou o “Magnificat”, e algumas vezes ter de correr depressa pelo jardim ao anoitecer, ou rir em voz alta dez vezes ao dia. Ficava muito admirada com tais penitências, mas esse sacerdote não me ajudou muito. Evidentemente Deus queria que O glorificasse por meio do sofrimento. Esse sacerdote consolava-me dizendo que nesse estado eu era mais agradável a Deus do que se estivesse cheia dos maiores consolos. “Que grande graça de Deus”, dizia ele, “que a irmã, nesse estado atual de tormentos da alma, não ofende a Deus, mas procura exercitar-se nas virtudes! Eu olho para a alma da irmã, vejo nela grandes desígnios e graças especiais e, vendo isso na sua alma, rendo graças ao Senhor”. Mas, apesar de tudo, a minha alma permanecia em sofrimentos e tormentos indizíveis. Eu era como o cego que confia no guia e segura firmemente sua mão, e em nenhum momento me afastava da obediência, que era para mim a tábua de salvação na prova de fogo.

69(29) † Jesus, Verdade eterna, fortificai as minhas tênues forças. Vós, Senhor, tudo podeis. Sei que nada valem os meus esforços sem Vós. Ó Jesus, não Vos escondais de mim, porque sem Vós não posso viver. Ouvi as súplicas da minha alma! Não se esgotou, Senhor, a Vossa misericórdia, portanto tende compaixão da minha miséria. A Vossa misericórdia excede o entendimento dos anjos e dos homens juntos e, embora me pareça que não me ouvis, coloquei a minha confiança no mar da Vossa misericórdia e sei que a minha esperança não será desiludida.

70Só Jesus sabe como é pesado e difícil cumprir as obrigações quando a alma se encontra nesse estado de tormentos interiores; as forças físicas diminuem e a inteligência se obscurece. No silêncio do meu coração repetia a mim mesma: “Ó Cristo, para Vós as delícias, a honra e a glória, e para mim o sofrimento. Não me atrasarei nem um só passo na caminhada para Vós, ainda que os espinhos firam meus pés”.

71Quando fui enviada à casa de Płock, a fim de me restabelecer, tinha a felicidade de ser eu a enfeitar a capela com flores. Era em Biała[90]. A irmã Tekla nem sempre tinha tempo e, por isso, muitas vezes eu mesma enfeitava a capela. Certo dia, colhi as mais belas rosas para enfeitar o quarto de certa pessoa. Quando me aproximava do pórtico, vi Jesus ali parado. Ele me perguntou com brandura: Minha filha, para quem estás levando essas flores? O silêncio foi a minha resposta ao Senhor, pois naquele momento percebi que tinha uma ligação muito sutil com aquela pessoa[91], de que antes não me apercebera. Logo Jesus desapareceu. Imediatamente joguei as flores no chão e fui diante do Santíssimo Sacramento com o coração repleto de gratidão por essa graça do conhecimento de mim mesma.

Ó Sol Divino, na luz dos Vossos raios a alma percebe as pequenas partículas de poeira que Vos desagradam.

72(30) Jesus, Verdade eterna, nossa Vida, invoco e suplico Vossa misericórdia para os pobres pecadores. Ó dulcíssimo Coração do meu Senhor, cheio de compaixão e insondável misericórdia, imploro-Vos pelos pobres pecadores. Ó Coração santíssimo, fonte de misericórdia, do qual brotam raios de graças incompreensíveis para todo o gênero humano, suplico-Vos luz para os pobres pecadores. Ó Jesus, lembrai-Vos da Vossa amarga Paixão e não permitais que se percam almas remidas com o Vosso preciosíssimo e santíssimo Sangue. Ó Jesus, quando medito sobre o grande preço do Vosso Sangue, alegro-me com a sua grandeza, porque uma só gota seria suficiente para todos os pecadores. Embora o pecado seja um abismo de maldade e ingratidão, o preço ofertado por nós é sempre incomparável — por isso, que toda alma confie na Paixão do Senhor, e tenha esperança na Misericórdia. Deus a ninguém nega a Sua misericórdia.O céu e a terra poderão mudar, mas não se esgotará a misericórdia de Deus. Oh, que alegria arde no meu coração quando vejo essa Vossa bondade inconcebível, ó meu Jesus! Desejo trazer a Vossos pés todos os pecadores, para que louvem por todos os séculos a Vossa misericórdia.

73Meu Jesus, embora haja noite escura em volta de mim e nuvens negras me obscureçam o horizonte, sei que o sol não se apaga. Ó Senhor, embora não Vos possa compreender e não entenda a Vossa ação - tenho confiança na Vossa misericórdia. Se for de Vossa vontade, ó Senhor, que eu sempre viva em tal escuridão - bendito sejais. Uma coisa apenas Vos peço, meu Jesus, não permitais que eu Vos ofenda seja de que maneira for. Ó meu Jesus, só Vós conheceis as saudades e as dores do meu coração. Alegro-me de poder sofrer por Vós ao menos um pouco. Quando sinto que o sofrimento ultrapassa as minhas forças, então recorro ao Senhor no Santíssimo Sacramento, e um profundo silêncio é o meu diálogo com o Senhor.

74(31) Confissão de uma das nossas educandas.

Em determinado momento, quando uma força começou a me impelir para que me esforçasse a fim de conseguir a Festa da Misericórdia e para que aquela Imagem fosse pintada, não conseguia encontrar a paz. Alguma coisa atravessava o meu ser, mas dominava-me um certo receio de ser vítima de uma ilusão. Porém, essas incertezas provinham sempre do exterior, pois no fundo do coração sentia que era o Senhor que invadia a minha alma. O padre, com quem então me confessava, disse-me que, de fato, existem ilusões, mas parecia-me que esse sacerdote tinha medo de me ouvir em confissão. Isso era para mim um tormento. Quanto mais percebia que não tinha muita ajuda da parte dos homens, tanto mais recorria a Jesus, o melhor Mestre. Em determinado momento, quando me assaltou esta dúvida, se a voz que falava comigo vinha do Senhor - naquele mesmo momento me dirigi ao Senhor por meio de palavras interiores, sem pronunciá-las. Logo, uma força tomou conta da minha alma - e eu disse: "Se Vós sois relmente o meu Deus, que comigo permaneceis e falais, peço-Vos, Senhor, que essa educanda[92] vá confessar-se ainda hoje, e esse sinal me fortalecerá". Nesse preciso momento, essa moça pediu para se confessar.

75A madre da classe[93] ficou surpreendida com essa repentina mudança, mas logo foi procurar um sacerdote, e essa pessoa realizou a confissão com grande contrição. Então, ouvi esta voz na alma: Acreditas agora em Mim? - e novamente uma força estranha invadiu a minha alma, fortificando-me e dando-me a certeza de tal maneira que eu mesma me admirava que pudesse, mesmo que por um só momento, ter dúvida. Contudo, essas dúvidas sempre provinham do exterior, e isso me dispunha a fechar-me mais em mim mesma.

Quando a minha alma sente a incerteza do sacerdote na santa confissão, então não a desvendo mais profundamente, mas apenas confesso os pecados. Um sacerdote assim não poderá dar paz à alma, se ele mesmo não possui.

Ó sacerdotes, vós, velas acesas a iluminar as almas, que o vosso brilho nunca seja obscurecido!

Compreendi que não era ainda da vontade de Deus que eu desvendasse minha alma até o fundo. Deus me deu essa graça mais tarde.

76(32)Meu Jesus, guiai a minha mente, tomai plena posse de todo o meu ser, encerrai-me no fundo do Vosso Coração e defendei-me dos ataques do inimigo. Em Vós está a minha única esperança. Falai pelos meus lábios quando eu estiver com os poderosos e os sábios, eu, a completa miséria, para que reconheçam que essa causa é Vossa e de Vós procede.

77Trevas e tentações

A minha mente estava estranhamente obscurecida; nenhuma verdade me parecia clara. Quando me falavam de Deus, o meu coração era como uma pedra. Não podia extrair do coração um só sentimento de amor para com Ele. Quando procurava, por um ato de vontade, permanecer com Deus, experimentava tormentos enormes e parecia-me que com isso estava provocando uma ira ainda maior de Deus. Não podia absolutamente meditar como meditava antigamente. Sentia um grande vazio na minha alma e nada havia que a pudesse preencher. Comecei a sofrer fome e sede de Deus, mas reconhecia a minha total incapacidade. Tentava ler devagar, frase por frase, e meditar dessa maneira, mas também isso era em vão; não entendia coisa alguma do que lia. Diante dos olhos da minha alma estava continuamente todo o abismo da minha miséria. Todas as vezes que entrava na capela para algum exercício espiritual, experimentava tormentos e tentações ainda maiores. Algumas vezes, lutava durante toda a santa Missa contra pensamentos blasfemos, que insistiam em virme à boca. Não me sentia atraída pelos santos sacramentos. Parecia-me não tirar nenhum proveito deles. Recebia-os apenas por obediência aos confessores, e essa obediência cega era para mim o único caminho pelo qual devia caminhar, a tábua da salvação. Foi quando um sacerdote me explicou que se tratava de provações que vinham de Deus e que - "no estado em que te encontras, não só não O ofendes, como estás sendo muito agradável a Ele; (33) é sinal de que Deus te ama imensamente e confia muito em ti, quando te envia tais provações". Contudo, essas palavras absolutamente não me consolavam, e parecia-me que elas absolutamente não se aplicavam a mim.

Uma coisa me suspreendia: acontecia algumas vezes que, quando eu sofria terrivelmente, no momento em que me dirigia para a santa confissão, de repente, desapareciam esses terríveis tormentos, mas quando me afastava do confessionário todos esses tormentos me atacavam com uma fúria ainda maior. Então, eu caía de bruços no chão diante do Santíssimo Sacramento e repetia estas palavras: "Ainda que me mateis, eu confiarei em Vós".[94] Parecia-me que agonizava nessas dores. Um dos pensamentos mais terríveis para mim era o de ser rejeitada por Deus. E depois vinham outros pensamentos: Por que hei de me mortificar e me despojar? Para que fazer votos? Por que rezar? Por que sacrificar-me e fazer penitência? Para que oferecer-me como vítima a cada passo? Para quê - se sou rejeitada por Deus? Qual o fim de todos esses esforços? - Em tudo isso, só Deus sabe o que se passava no meu coração.

78Uma vez, oprimida tão terrivelmente por esses sofrimentos, entrei na capela e pronunciei do fundo da alma estas palavras: "Fazei de mim, ó Jesus, o que quiserdes. Eu Vos adorarei em toda parte. E faça-se em mim toda a Vossa vontade, ó meu Senhor e meu Deus, que eu glorificarei a Vossa infinita misericórdia". Por este ato de submissão afastaram-se aqueles terríveis tormentos. Então, vi Jesus que me disse: Eu estou sempre no teu coração. Uma alegria inconcebível tomou conta da minha alma, [enchendo-a] de um grande amor a Deus, do qual se inflamou o meu pobre coração. Reconheço que Deus nunca permitirá mais do que possamos suportar. Oh, nada mais temo, pois se Ele envia à alma grandes tormentos, sustenta-a com uma graça ainda maior, mesmo que não a percebamos. Um só ato de confiança em momentos assim dá maior glória a Deus do que muitas horas de consolos passadas em oração. Vejo agora que, quando Deus quer manter a alma nas trevas, não há livro nem confessor algum que a consiga iluminar.

79(34) Maria, minha Mãe e Senhora, entrego-vos a minha alma e o meu corpo, a minha vida e a minha morte e tudo o que vier depois dela. Deposito tudo em vossas mãos, ó minha Mãe. Cobri a minha alma com o vosso manto virginal e concedei-me a graça da pureza do coração, da alma e do corpo, e defendei-me com o vosso poder de todos os inimigos, especialmente daqueles que escondem a própria maldade sob a máscara da virtude. Ó lindo lírio, vós sois para mim o espelho, ó minha mãe!

80Jesus, prisioneiro divino do amor, quando medito sobre o Vosso amor e despojamento por mim, sinto-me desfalecer. Escondeis a Vossa majestade inconcebível e Vos abaixais até mim, miserável; ó Rei da glória, embora escondais a Vossa beleza, o olhar da minha alma rasga esse véu. Vejo os coros dos anjos que, incessantemente, Vos prestam louvor e todas as potestades celestiais que continuamente Vos adoram e proclamam sem cessar: "Santo, Santo, Santo".

Oh, quem compreenderá o Vosso amor e a Vossa insondável misericórdia para conosco?! Ó prisioneiro do amor, encerro o meu pobre coração nesse sacrário, para que Vos adore sem cessar dia e noite. Não conheço obstáculo nessa adoração e, embora esteja distante fisicamente, o meu coração está sempre Convosco. Nada pode criar barreiras ao amos que Vos dedico. Não existem obstáculos para mim. Ó meu Jesus, eu Vos consolarei por todas as ingratidões, blasfêmias, tibieza, ódio dos condenados, sacrilégios. Ó Jesus, desejo consumir-me como sacrifício puro e aniquilado diante do Vosso trono, onde estais oculto. Suplico-Vos sem cessar pelos pecadores agonizantes.

81Ó Santíssima Trindade, bendita sejais - indivisível, único Deus, por esse grande dom e testamento da misericórdia. Meu Jesus, em reparação pelos blasfemos, ficarei em silêncio quando for censurada injustamente, para dessa maneira Vos desagravar ao menos em parte. Canto-Vos na minha alma um hino incessante e ninguém saberá disso, nem compreenderá. O canto da minha alma é conhecido apenas por Vós, ó meu Criador e meu Senhor.

82(35) Não permitirei que seja absorvida pelo trabalho a ponto de me esquecer de Deus. Passarei todos os momentos livres aos pés do Mestre oculto no Santíssimo Sacramento. É Ele quem me ensina desde os meus mais tenros anos.

83Escreve isto: Antes de vir como justo Juiz, venho como Rei de misericórdia. Antes de vir o dia da justiça, nos céus será dado aos homens este sinal:

Toda luz se apagará no céu e haverá uma grande escuridão sobre a terra. Então aparecerá o sinal da Cruz no céu, e dos orifícios onde foram pregadas as mãos e os pés do Salvador sairão grandes luzes que, por algum tempo, iluminarão a terra. Isso acontecerá pouco antes do último dia.

84Ó Sangue e Água, que jorrastes[95] do Coração de Jesus como fonte de misericórdia para nós, eu confio em Vós!

Vilnius, 02.08.1934

85Na sexta-feira, após a santa Comunhão, fui transportada em espírito diante do trono de Deus. Aí vi as potestades celestiais que sem cessar adoram a Deus. Ao fundo do trono vi um luz inacessível às criaturas, onde entra apenas o Verbo Encarnado, como mediador. Quando Jesus entrou naquela claridade, ouvi estas palavras: Escreve logo o que estás ouvindo: Sou Senhor pela Minha Essência e não conheço ordens nem necessidades. Se chamo as criaturas à existência - é pelo abismo da Minha misericórdia. Nesse preciso momento reconheci que eu estava na nossa capela, como antes, no meu genuflexório. A santa Missa estava chegando ao fim. Já tinha anotado essas palavras.

86† Quando vi o meu confessor[96], e quanto devia sofrer por causa dessa obra que Deus está realizando através dele, fiquei atemorizada por um momento e disse ao Senhor: "Jesus, essa obra é Vossa; por que então (36) procedeis com ele dessa maneira? Parece que lhe criais dificuldades e ao mesmo tempo exigis que ele a faça".

Escreve que dia e noite o Meu olhar repousa sobre ele, e se permito essas contrariedades é só para multiplicar os méritos dele. Não recompenso pelo bom êxito, mas pela paciência e pelo trabalho suportado por Minha causa.

Vilnius, 26.10.1934

87Na sexta-feira, quando vinha com as educandas[97] do jardim para o jantar, faltavam dez minutos para as seis horas, vi Nosso Senhor sobre a capela, da mesma maneira como o tinha visto pela primeira vez, como está pintado naquela Imagem. Os dois raios que saíam do Coração de Jesus cobriam a nossa capela e a enfermaria, depois a cidade toda, espalhando-se lentamente pelo mundo inteiro. Isso durou talvez uns quatro minutos, e desapareceu. Uma das meninas, que vinha junto comigo um pouco atrás das outras, viu também esses raios, mas não viu a Jesus e não sabia de onde saíam esses raios. Ficou muito impressionada e contou às outras meninas. Estas começaram a rir dela, dizendo que ela devia ter imaginado alguma coisa, ou talvez fosse luz de algum aeroplano. Ela porém teimava e dizia que nunca na sua vida tinha visto raios como aqueles. Quando as meninas lhe diziam ainda que talvez fosse algum refletor, ela respondeu que conhecia a luz de um refletor. Raios assim ela nunca tinha visto. Depois do jantar essa menina veio falar comigo e disse-me que ficara tão impressionada com esses raios que não podia acalmar-se. Permanecera falando disso sem cessar - e no entanto, não viu Jesus. E sempre me lembrava desses raios, colocando-me numa situação embaraçosa, porquanto Não podia lhe dizer que eu tinha visto Jesus. Eu rezava por essa pequena alma para que Deus lhe concedesse as graças de que tanto necessitava. Alegrou-se o meu coração pelo fato de que o próprio Jesus se dá a conhecer na Sua obra. Embora tivesse grandes dissabores por esse motivo, por Jesus tudo se pode suportar.

88(37) † Quando estava na adoração, senti a proximidade de Deus. Pouco depois vi Jesus e Maria. Essa visão encheu de alegria a minha alma e perguntei ao Senhor: "Jesus, qual é a Vossa vontade, sobre o assunto que o confessor me mandou perguntar?" - Jesus me respondeu: É da Minha vontade que ele permaneça aqui, e que não se dispense por própria iniciativa. - E perguntei a Jesus se poderia ficar esta inscrição: "Cristo, Rei de Misericórdia". - Jesus me respondeu: Sou o Rei de Misericórdia, mas não disse: "Cristo". Desejo que, no primeiro domingo depois da Páscoa, a Imagem seja exposta publicamente. Esse domingo é a Festa da Misericórdia. Pelo Verbo Encarnado dou a conhecer o abismo da Minha misericórdia.

89Por admirável desígnio tudo aconteceu como o Senhor havia exigido: a primeira honra que a Imagem recebeu das multidões[98] foi no primeiro domingo depois da Páscoa. Durante três dias, ela ficou exposta publicamente e recebeu a honra dos fiéis, pois estava colocada em Ostra Brama[99], na parte alta da janela e, por isso, podia ser vista de muito longe. Em Ostra Brama era comemorado solenemente, por esses três dias, o encerramento do Jubileu da Redenção do mundo - os 1900 anos da Paixão do Salvador. Agora vejo que a obra da Redenção está ligada com a obra da misericórdia que o Senhor está exigindo.

90Certo dia, vi interiormente o quanto terá que sofrer o meu confessor. - Os amigos te abondanarão e todos se oporão a ti, as forças físicas diminuirão. Eu te vi como um cacho de uvas escolhido pelo Senhor e jogado no lagar dos sofrimentos. A tua alma, padre, em certos momentos, estará cheia de dúvidas, no que se relaciona com essa obra e comigo.

E vi como se o próprio Deus se lhe opusesse e perguntei ao Senhor por que assim procedia com ele, como que dificultasse o que lhe ordenara. E o Senhor disse: Procedo assim com ele para testemunhar que essa obra é Minha. Diz-lhe (38) que de nada tenha medo, o Meu olhar está voltado para ele, dia e noite. Haverá tantas palmas na sua coroa quantas almas se salvarem por essa obra. Não recompenso o bom êxito no trabalho, mas o sofrimento.

91Ó Meu Jesus, só Vós sabeis quantas perseguições estou sofrendo, apenas porque Vos sou fiel e porque me atenho firmemente às Vossas exigências. Vós sois a minha força - sustentai-me, para que sempre cumpra fielmente tudo o que de mim exigis. Por mim mesma nada posso, mas, se Vós me amparardes, nada significam todas as dificuldades. Ó Senhor, bem vejo que, desde o primeiro momento em que a minha alma recebeu a capacidade de conhecer-Vos, a minha vida é uma contínua luta, e cada vez mais acirrada. Todas as manhãs, na meditaçõ preparo-me para a luta que dura o dia todo, e a santa Comunhão é a garantia de que vencerei, e assim acontece. Tenho medo do dia no qual não tenho a santa Comunhão. Esse Pão dos fortes me dá toda a energia para levar adiante essa obra e tenho coragem de cumprir tudo o que o Senhor exige. A coragem e a força que estão em mim não me pertencem, mas sim Àquele que mora em mim - a Eucaristia.

Meu Jesus, quão grandes são as incompreensões! Algumas vezes, se não fosse a Eucaristia, eu não teria coragem de ir adiante, por esse caminho que me indicastes.

92A humilhação é o [meu] alimento cotidiano. Compreendo que a esposa deve assumir tudo que diz respeito a seu esposo e, portanto, a Sua veste de ultrajes deve recobrir-me também. Nos momentos em que muito sofro, procuro calar-me, porquanto não confio na língua, que, em tais momentos, tem a tendência de falar de sim mesma, e ela deve servir-me para a glorificar a Deus por tantos bens e dons que me concedeu.

Quando recebo a Jesus na santa Comunhão, peço-Lhe com fervor que se digne curar a minha língua, para que não ofenda com ela a Deus, nem ao próximo. Desejo que a minha línga incessantemente glorifique a Deus. Grandes são os erros cometidos pela língua. A Alma não atingirá a santidade se não tomar cuidado com a sua língua.

93(39) Resumo do catecismo sobre os votos religiosos[100].

P. O que é o voto?

R. O voto é uma promessa voluntária, feita a Deus - de realizar a ação mais perfeita.

P. O voto obriga em coisas ordenadas pelos mandamentos?

R. Sim. A realização da ação em coisas ordenadas pelos mandamentos é de dúplice valor e mérito, enquanto sua negligência é uma dupla transgressão e maldade, porque, quando se transgride o voto, acrescenta-se, então, ao pecado contra o mandamento ainda o pecado do sacrilégio.

P. Por que os votos religiosos têm valor tão elevado?

R. Porque constituem o fundamento da vida religiosa, aprovada pela Igreja, na qual os membros, unidos numa comunidade religiosa, comprometem-se a buscar incessantemente a perfeição através dos três votos religiosos: de pobreza, castidade e obediência, observados de acordo com as regras.

P. O que significa buscar a perfeição?

R. Buscar a perfeição significa que o estado religioso em si não exige perfeição já adquirida, mas obriga, sob pena de pecado, ao trabalho diário para consegui-la. Portanto, o religioso que não queira aperfeiçoar-se negligencia a principal obrigação do seu estado.

P. O que são os votos religiosos solenes?

R. Os votos religiosos solenes são tão estritos que, apenas em casos extraordinários, só o Santo Padre pode dispensá-los.

P. O que são os votos simples?

R. São votos menos rigorosos - dos perpétuos e anuais dispensa a Santa Sé.

(40)P. Qual é a diferença entre o voto e a virtude?

R. O voto abrange apenas o que é ordenado sob pena de pecado, ao passo que a virtude se eleva mais alto e facilita o cumprimento do voto. E ao contrário - transgredindo o voto, comete-se uma falta e uma transgressão contra a virtude.

P. A que obrigam os votos religiosos?

R. Os votos religiosos obrigam a buscar as virtudes e a total submissão aos superiores e às regras, em virtude do que o religioso entrega a sua pessoa à Ordem, renunciando a todos os direitos sobre si próprio e às suas atividades, que dedica ao serviço de Deus.

Do voto de Pobreza

O voto de pobreza é a espontânea renúncia ao direito à propriedade, ou ao seu uso, com o objetivo de agradar a Deus.

P. Que bens estão relacionados com o voto de pobreza?

R. Todos os bens e objetos pertencentes à congregação. Não se tem direito ao que foi dado, coisas ou dinehrio - desde que tenha sido aceito. Todos os donativos ou presentes que forem doados a título de gratidão ou outro, por direito pertencem à congregação. Quaisquer ganhos pelo trabalho, ou mesmo rendas - não podem ser utilizados sem violar o voto.

P. Quando se transgride ou viola o voto segundo o sétimo mandamento?

R. Transgride-se quando, sem permissão, alguém se apodera, para sim ou para outros, de uma coisa pertencente à casa. Quando se retém alguma coisa sem permissão, com o objetivo de apoderar-se dela. Quando, sem autorização, se vende ou se troca alguma coisa pertencente à congregação. Quando se utiliza uma coisa para outro fim, que não o indicado pelas superioras, ou quando se dá a alguém, ou aceita-se sem licença. Quando, por negligência, destrói-se ou estraga-se alguma coisa. Quando, transferind-se de uma casa a outra, leva-se alguma coisa sem permissão. Nos casos de transgressão do voto de pobreza, o religioso (41) é igualmente obrigado à restituição à congregação.

Da virtude da Pobreza

É uma virtude evangélica que obriga o coração a desprender-se dos apegos às coisas temporais; a ela, o religioso, em virtude da profissão, está estritamente obrigado.

P. Quando se peca contra virtude da pobreza?

R. Quando se desejam coisas contrárias a essa virtude. Quando se tem apego a alguma coisa, quando se utilizam de coisas supérfluas.

P. Quantos e quais são os graus da pobreza?

R. Praticamente, são quatro os graus da pobreza na profissão religiosa. Não dispor de algo independentemente dos superiores (matéria estrita de voto). Evitar o supérfluo, contentar-se com as coisas indispensáveis (constitui a virtude). De boa vontade dar preferência às coisas piores, e isto com satisfação interior - tais como a cela, o vestuário, a alimentação etc. Alegrar-se com a indigência.

Do voto de Castidade

P. A que obriga esse voto?

R. A renunciar ao casamento e a evitar tudo que seja proibido pelo sexto ou pelo nono mandamento.

P. A falta contra a virtude é violação do voto?

R. Toda a falta contra a virtude é ao mesmo tempo violação do voto, porque aqui não existe a diferença entre o voto e a virtude, como na pobreza ou na obediência.

(42) P. Todo mau pensamento é pecaminoso?

R. Nem todo mau pensamento é pecaminoso, mas torna-se tal quando à consideração da mente se une a complacência da vontade e o consentimento.

P. Além dos pecados contrários à pureza, existe alguma coisa que traz prejuízo à virtude?

R. Traz prejuízo à virtude a dissipação dos sentidos e da imaginação e a liberdade dos sentimentos, a excessiva familiaridade e as amizades particulares.

P. Quais são as maneiras de preservar a virtude?

R. Subjugar as tentações interiores com o pensamento da presença de Deus e também com a luta sem temor. E quanto às tentações exteriores - evitar as ocasiões. Geralmente existem sete maneiras principais: vigiar os sentidos, evitar as ocasiões, rejeitar a ociosidade, afastar rapidamente as tentações, evitar todas as amizades particulares, ter o espírito da mortificação e revelar todas as tentações ao confessor. Além disso existem cinco meios de garantir a virtude: a humildade, o espírito de oração, a preservação da modéstia, a fidelidade à regra e a sincera devoção à santíssima Virgem Maria.

Do voto de Obediência

O voto de obediência é superior aos dois primeiros, porque ele propriamente constitui uma oferta total, um holocausto, e é o mais necessário, porque constróio e vivifica todo o organismo da vida religiosa.

P. A que obriga o voto de obediência?

R. O religioso, através do voto de obediência, promete a Deus que obedecerá aos legítimos superiores em tudo que lhe ordenarem de acordo com as regras. O voto de obediência torna o religioso dependente do superior em virtude das regras, em toda a sua vida e em todas as questões. - O religioso comete pecado grave contra o voto todas as vezes que não obedece a uma ordem dada (43) em virtude da obediência ou das regras.

Da virtude da Obediência

A virtude da obediência eleva-se acima do voto e abrange as regras, os regulamentos e até mesmo os conselhos dos superiores.

P. A virtude da obediência é indispensável ao religioso?

R. A virtude da obediência é tão necessária ao religios que, mesmo que faça o bem, se o fizer contrariando a obediência, [os seus atos] tornam-se maus, ou sem mérito.

P. Pode-se pecar gravemente contra a virtude da obediência?

R. Paca-se gravemente quando se despreza a autoridade, ou a ordem do superior, e quando da desobediência decorrer prejuízo espiritual ou temporal para a congregação.

P. Que faltas ameaçam o voto?

R. Preconceitos e antipatias para com o superior, murmurações e críticas; lentidão e negligência.

Graus da Obediência

Execução pronta e plena. - Obediência da vontade, quando a vontade leva a mente a submeter-se ao juízo do superior. Santo Inácio apresenta, além disso, três meios que facilitam a obediência. No superior, quem quer que ele seja, ver sempre a Deus. Justificar diante de si mesmo a ordem ou a opinião do superior. Aceitar toda ordem como se fosse de Deus, sem discutir ou analisar. O meio geral é a humildade. Não há coisas difíceis para o humilde.

94Ó meu Senhor, inflamai o meu amor para Convosco, para que em meio às tempestades, sofrimentos e provações o meu espírito não desfaleça. Vós vedes como sou fraca. O amor tudo pode.

95† Conhecimento mais profundo de Deus e temor da alma

No início, Deus se dá a conhecer como santidade, justiça, bondade, ou seja, misericórdia. A alma não conhece tudo isso de uma só vez, mas em iluminações sucessivas, ou seja, nas aproximações de Deus. E isso não dura muito, porque a alma não suportaria tanta luz. Durante a oração, a alma experimenta o brilho dessa luz, que lhe impossibilita de rezar como antes. Pode esforçar-se como quiser e obrigar-se a reza como anteriormente; tudo será em vão. Torna-se absolutamente impossível para ela continuar a rezar como antes de receber aquela luz. Tal luz que tocou a alma permanece nela viva e nada consegue sufocá-la nem obscurecê-la.

Essa centelha do conhecimento de Deus atrai a alma e a inflama de amor para com Ele. Mas, ao mesmo tempo, essa luz dá a conhecer à alma o que ela é e permite que ela se veja interiormente numa luz superior, e ela se levanta espantada e atemorizada. Contudo, não permanece nesse estado de temor, mas começa a purificar-se, humilhar-se e a rebaixar-se diante do Senhor, e essas iluminações tornam-se mais fortes e mais frequentes. Quanto mais a alma se cristaliza, tanto mais penetrantes são essas luzes. Se a alma respondeu fiel e corajosamente a essas primeiras graças, Deus a cumula de consolações, e une-se com ela de maneira perceptível. A alma entra então, por momentos, como que em intimidade com Deus e sente-se imensamente feliz. Acredita que já atingiu o grau de perfeição que lhe fora destinado, porque os erros e os defeitos nela estão adormecidos, e por isso pensa que já não os tem. Nada lhe parece difícil, sente-se pronta para tudo. Começa a mergulhar em Deus e a experimentar as delícias divinas. É levada pela graça e nem se dá conta de que pode vir o tempo da provação e de ser experimentada. E realmente esse estado não dura muito. Virão outros momentos, mas devo mencionar que a alma responde mais fielmente à graça de Deus se dispõe de um confessor iluminado, a quem tudo possa confidenciar.

96(45)† Provações divinas na alma especialmente amada por Deus. Tentações e trevas, satanás.

O amor da alma não é ainda tal como Deus o exige. A alma repentinamente perde a percepção da presença de Deus. Surgem nela diversos erros e defeitos, contra os quais deve travar uma luta brutal. Todos os seus erros se reavivam, apesar de sua vigilância ser grande. No lugar da anterior presença de Deus surgem a tibieza e a aridez espiritual; a alma não sente gosto nos exercícios espirituais, não consegue rezar, nem como antigamente, nem como rezava ultimamente. Agita-se por todos os lados e não encontra satisfação. Deus se escondeu diante dela, e ela não encontra conforto nas criaturas e nenhuma criatura consegue consolá-la. A alma deseja ardentemnete a Deus, mas vê a própria miséria; começa a sentir a justiça de Deus. Parece-lhe ter perdido todos os dons de Deus. A sua mente encontra-se como que obscurecida. As trevas a invadem num tormento indizível. A alma procura explicar o seus próprio estado ao confessor, mas não é compreendida. Cai em inquietações ainda maiores. Satanás inicia a sua trama.

97A fé fica exposta ao fogo, a luta é feroz; a alma faz esforços, persevera pelo ato de vontade junto a Deus. Satanás, com a permissão de Deus, avança ainda mais; a esperança e o amor são provados. São terríveis essas tentações. Deus sustém a alma como que em segredo - não tendo ela disso consciência - pois de outra forma não conseguiria resistir. E Deus sabe até que ponto pode prová-la. A alma sofre a tentação da descrença quanto às verdades reveladas, e da insinceridade diante do confessor. Satanás lhe diz: "Olha, ninguém te compreenderá, para que falar de tudo isso?".

Ressoam-lhe aos ouvidos palavras que a atemorizam e parece-lhe que as pronuncia contra Deus. Vê o que gostaria de não ver; ouve o que não quer ouvir. E é terrível, em momentos como estes, não ter um confessor experiente. A alma carrega sozinha o peso, mas na medida de suas possibilidades deveria procurar um confessor iluminado, porque pode desfalecer sob esse peso e isso costuma acontecer à beira do abismo. (46) Todas essas provações são pesadas e difíceis. Porém, Deus não permite que elas atinjam uma alma que anteriormente não tenha sido admitida para uma mais profunda convivência com Ele e que não tenha experimentado as doçuras divinas. Além disso, Deus tem aí Seus desígnios, para nós insondáveis. Frequentemente, é assim que Deus prepara a alma para futuros projetos e grandes obras. E quer prová-la como se prova o ouro puro; mas isso ainda não é o fim da prova. Existe ainda a provação maior de todas - isto é, o completo abandono por parte de Deus.

98† A prova das provas

Abandono absoluto - desespero

Quando a alma sai vencedora das provações anteriores, ainda que possa tropeçar, luta corajosamente e, com profunda humildade, clama ao Senhor: "Salvai-me, porque estou perecendo". - Mas continua a ser capaz de lutar.

Agora a alma é envolvida por trevas terríveis. A alma vê em si apenas pecados. O que sente é terrível. Vê-se totalmente rejeitada por Deus, sente como se fosse objeto de Seus ódio e encontra-se a um passo do desespero. Defende-se como pode, procura despertar a confiança, mas a oração é para ela um tormento ainda maior, parece-lhe que está provocando Deus a uma mais intensa ira; encontra-se [como que] colocada num cume altíssimo, à beira de um precipício.

A alma tenta agarrar-se fervorosamente a Deus, mas sente-se rejeitada. Todos os tormentos e suplícios do mundo nada são em comparação com esse sentimento no qual ela está completamente submersa - isto é, o de ser rejeitada por Deus. Ninguém pode trazer-lhe alívio. Vê que está sozinha; não tem ninguém para defendê-la. Eleva os olhos para o céu, mas sabe que o céu não é para ela - para ela tudo está perdido. Das trevas cai em trevas ainda maiores, parece-lhe que perdeu a Deus para sempre, a esse Deus a quem tanto amava.

Um tal pensamento lança a alma num sofrimento indescritível. Contudo, ela não se conforma com isso, tenta olhar para o céu, mas em vão - isso lhe provoca um tormento ainda maior.

99(47) Ninguém consegue iluminar uma alma assim, se Deus a quiaser manter nas trevas. Ela se sente rejeitada por Deus de maneira viva e terrivelmente. Do seu coração elevam-se gemidos de dor e tão pungentes que nenhum sacerdote poderá compreendê-los, a não ser que ele mesmo tenha passado por isso. Nesse estado, a alma ainda tem que suportar sofrimentos provenientes do espírito do mal. Satanás escarnece dela: "Estás vendo, vai continuar fiel? Eis o teu pagamento, estás em nosso poder". Porém satanás tem sobre essa alma tanta influência quanta Deus permitir, Deus sabe quanto podemos suportar. [O maligno prossegue:] "E o que adiantou teres te mortificado? E o que adiantou seres fiel à regra? Para que todos esses esforços? Deus te rejeitou". Essa palavra "rejeitou" transforma-se em fogo que transpassa cada nervo até a medula dos ossos; transpassa todo o ser. Aproxima-se o maior momento de provação. A alma já não procura ajuda em parte alguma, mergulha em si mesma e não vê nada diante de seus olhos e parece quas se conformar com esse sofrimento de ser rejeitada. É um momento que não consigo expressar. É a agonia da alma.

Quando esse momento começou a aproximar-se de mim pela primeira vez, dele fui arrancada somente pela virtude da santa obediência. A mestra assustou-se quando me viu e enviou-me ao confessor, mas o confessor não me compreendeu, e não senti nem sombra de alívio. Ó Jesus, dai-nos sacerdotes experientes.

Quando disse que estava sofrendo suplícios infernais na minha alma, respondeu-me que se sentia tranquilo quanto à minha alma, porque estava vendo nela uma grande graça de Deus. Mas eu não compreendi coisa alguma e nem um raio de luz entrou na minha alma.

100Agora já começo a sentir a falta das forças físicas e já não posso dar conta dos meus deveres. Já não posso também esconder os meus sofrimentos e, embora não diga nenhuma palavra sobre o que estou sofrendo, atraiçoa-me a dor que se reflete no meu rosto. A superiora me contou que as irmãs vão até ela e dizem que, quando na capela me olha, sentem compaixão de mim, tão terrível é o meu aspecto. Todavia, apesar dos esforços, a alma não tem condições de esconder esse sofrimento.

101Jesus, só Vós sabeis como a alma geme nesses suplícios, envolvida pelas trevas, e, no entanto, deseja a Deus e anseia por Ele, como os lábios ressequidos [anseiam] pela água. Ela morre e resseca, morre de uma morte sem morte, isto é, não pode morrer. Os seus esforços nada significam; encontra-se sob uma mão poderosa. (48) Agora, a alma encontra-se já em poder do Justo: cessam todas as tentações exteriores, cala-se tudo que a circunda, da mesma forma que para o agonizante desvanece tudo o que o cerca. A sua alma inteira está exposta ao poder do Deus justo e três vezes Santo. - Rejeita pelos séculos. - Esse é o momento culminante, e somente Deus pode provar a alma dessa maneira, porque somente Ele sabe o que ela pode suportar.

Quando a alma fica totalmente impregnada desse fogo infernal, precipita-se como que no desespero. A minha alma passou por esse momento quando me encontrava sozinha na cela. Quando a minha alma começou a mergulhar no desespero, senti que começava a agonizar; apesar disso, agarrei-me ao meu pequeno crucifixo e o apertei nas mãos convulsivamente. Era como se o meu corpo se separesse da alma e, embora quisesse ir falar com as superiores, já não tinha forças físicas; pronunciei as últimas palavras: "Confio na Vossa misericórdia!" - e pareceu-me que havia levado Deus a uma cólera ainda maior. Mergulhei no desespero; só de vez em quando escapava da minha alma um gemido doloroso, um gemido inconsolável. Estava agonizando. E parecia-me que já permaneceria nesse estado, porque com minhas próprias forças não sairia dele. Cada lembrança de Deus era um mar de sofrimentos indescritíveis. E, no entanto, há alguma coisa na alma que busca a Deus com insistência, mas parece que é apenas para ela sofre mais. A recordação do antigo amor, com que Deus a cercava, era para ela um novo gênero de tormento. O olhar de Deus a atravessa e tudo é queimado na alma por esse olhar.

102Foi um longo momento, até quando uma das irmãs entrou na cela e me encontrou quase morta. Assustou-se e foi chamar a mestra, a qual odenou que, por força da santa obediência, eu me levantasse do chão. Imediatamente voltaram minhas forças físicas e levantai-me do chão, toda tremendo. A mestra percebeu logo o estado da minha alma, falou-me da insondávl misericórdia de Deus, dizendo-me: "Irmã, não se perturbe seja com o que for; e ordeno-lhe isto pela virtude da obediência".

E acrescentou: "Agora reconheço que Deus está destinando a irmã para um alto grau de santidade. O Senhor quer ter a irmã perto de Si, já que permite tais provas e tão cedo. Que a irmã seja fiel a Deus, porque isto é sinal de que deseja lhe reservar um elevado lugar no céu". - Eu, porém, não compreendia nada daquelas palavras.

103(49) Quando entrei na capela, senti como se a minha alma fosse completamente purificada, como se acabasse de sair das mãos de Deus; senti, então, a pureza inviolável da minha alma e senti-me como uma criancinha. Então, de repente, vi interiormente o Senhor, que me disse: Não tenhas medo, Minha filha, Eu estou contigo. Nesse preciso momento dissiparam-se todas as trevas e angústias, os sentidos foram inundados de indizível alegria, as faculdade da alma repletas de luz.

104 Ainda quero mencionar que, embora a minha alma já estivesse sob os raios do Seu amor, no meu corpo ficaram ainda por dois dias os vestígios do tormento passado. O rosto mortalmente pálido e os olhos ensanguentados. Só Jesus sabe o quanto tinha sofrido. Comparado com a realidade, aquilo que escrevi parece sem expressão. Não sei expressá-lo, parece que voltei do outro mundo. Experimento agora uma aversão a tudo que é criado. Aconchego-me ao Coração de Deus como uma criança ao peito da mãe. Vejo tudo com outros olhos. Estou consciente do que o Senhor fez na minha alma com uma só palavra, e por ela vivo. Tremo só de me lembrar dos tormentos passados. Não teria acreditado que se pode sofre tanto, se eu mesma não tivesse passado por isso. - É um sofrimento inteiramente espiritual.

105 Todavia, em todos esses sofrimentos e lutas, eu não faltava à santa Comunhão. Quando achava que não devia comungar, procurava a mestra, antes da Comunhão, e dizia-lhe que não podia comungar - parecia-me que não deveria comungar. Ela, no entanto, não me permitia deixar a santa Comunhão; e eu comungava e vi que somente a obediência me salvava.

Foi a própria mestra que me disse mais tarde que essas minhas provações passaram depressa justamente porque a "irmã foi obediente. É só pelo poder da obediência que a irmã superou tudo isso com tanta coragem". - Na verdade foi o próprio Senhor quem me tirou desse tormento, mas a fidelidade à obediência Lhe foi agradável. Embora sejam coisas pavorosas, nenhuma alma deve assustar-se demasiadamente com elas, porque Deus não nos submete a provas que estejam acima das nossas forças.

106 E, por outro lado, talvez Ele nunca permita que soframos tais suplícios. Escrevo isso para que, se Deus houver por bem conduzir alguma alma por (50) semelhantes suplícios, que não tenha medo, mas seja fiel a Deus em tudo, na medida em que isso depender dela. Deus não causará dano à alma, pois é o próprio Amor, e foi nesse amor inconcebível que a chamou à existência.

107 Mas eu, quando estava nessas aflições nada compreendia. Ó meu Deus, conheci que não sou desta terra; o Senhor infundiu tal consciência na minha alma em alto grau. A minha permanência á mais no céu do que na terra, embora eu em nada descuide das minhas obrigações.

108 Nesse período não tinha um diretor espiritual e não recebia qualquer tipo de orientação. Eu pedia ao Senhor - mas Ele não me dava um diretor. O próprio Jesus é o meu Mestre desde a minha infância até agora. Conduziu-me através de todos os desertos e perigos, e reconheço claramente que somente Deus me poderia ter conduzido por um tão grande perigo sem nenhum dano e sem nenhuma perda, deixando a minha alma imune e fazendo-me vencer todas as dificuldades, mesmo as mais inconcebíveis. Saí [...] [101]. Todavia, mais tarde, o Senhor deu-me um diretor.

109 Após esses sofrimentos, a alma está em grande pureza de espírito e muito próxima de Deus. Devo, porém, observar que, nesses tormentos espirituais, embora se encontre perto de Deus, ela está cega. O olhar da alma é envolvido pelas trevas, apesar de Deus estar bem mais próximo de uma alma tão sofredora. Todo o segredo consiste em que ela de nada sabe. Ela afirma não somente ter sido abandonada por Deus, mas ter-se tornado objeto do seu ódio. Que grande doença dos olhos da alma que, quando atingida pela luz divina, afirma que essas luz não existe. E, no entanto, ela é tão forte que a cega. Todavia, conheci mais tarde que Deus está mais perto da alma nesses momentos, do que em outras ocasiões, porque apenas com a ajuda da graça ela não suportaria tais provações. Atuam aqui a onipotência de Deus e uma graça extraordinária, porque de outra forma a alma sucumbiria ao primeiro golpe.

110 Ó Mestre Divino, o que acontece na minha alma é somente obra Voessa. Vós, ó Senhor, não receais colocar a alma à beira de uma terrível precipício, onde ela se amedronta e se assusta, e novamente a fazeis voltar a Vós. Eis os Vossos insondáveis mistérios!

111 (51) Quando nesses tormentos da alma eu procurava acusar-me na santa confissão dos menores defeitos, o sacerdote admirou-se por eu não ter cometido faltas maiores e disse-me estas palavras: "Se em meio a esses tormentos a irmã é tão fiel a Deus, para mim isto já é prova de que Deus está amparando a irmã com Sua graça especial, e até é bom que a irmã não compreenda isso". Contudo, é estranho que os confessores não me pudessem compreender nem tranquilizar com relação a essas coisas. E foi assim até que encontrei frei Andrasz, e depois o padre Sopoćko.


>> Caderno I de 112 a 204

Referência

Livro Santa Irmã Maria Faustina Kowalska - Diário - A Misericórdia Divina na minha alma.