Lúcia andando a brincar com a Jacinta e o Francisco, no cimo da encosta da Cova da Iria, a fazer uma paredita em volta duma moita, viram, de repente, como que um relâmpago.
– É melhor irmos embora para casa, – disse a seus primos – que estão a fazer relâmpagos; pode vir trovoada.
– Pois sim.
E começaram a descer a encosta, tocando as ovelhas em direcção à estrada. Ao chegar, mais ou menos a meio da encosta, quase junto duma azinheira grande que aí havia, viram outro relâmpago e, dados alguns passos mais adiante, viram, sobre uma carrasqueira, uma Senhora, vestida toda de branco, mais brilhante que o Sol, espargindo luz, mais clara e intensa que um copo de cristal, cheio d’água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente. Pararam surpreendidos pela aparição. Estavam tão perto, que ficavam dentro da luz que A cercava ou que Ela espargia, talvez a metro e meio de distância, mais ou menos.
Então Nossa Senhora disse-lhes:
– Não tenhais medo. Eu não vos faço mal.
– De onde é Vossemecê? – lhe perguntei.
– Sou do Céu.
– E que é que Vossemecê me quer?
– Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13 a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez (16 de junho de 1921).
– E eu também vou para o Céu?
– Sim, vais.
– E a Jacinta?
– Também.
– E o Francisco?
– Também, mas tem que rezar muitos terços.
Lúcia lembrei-se então de perguntar por duas raparigas que tinham morrido há pouco. Eram amigas e estavam na casa de Lúcia a aprender a tecedeiras com a irmã mais velha.
– A Maria das Neves já está no Céu?
– Sim, está.
Parece-lhe que devia ter uns 16 anos.
– E a Amélia?
– Estará no purgatório até ao fim do mundo.
Parece-lhe que devia ter de 18 a 20 anos.
– Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?
– Sim, queremos.
– Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.
Foi ao pronunciar estas últimas palavras (a graça de Deus, etc.) que abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-os uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que penetrando-os no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-os ver a eles mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos. Então, por um impulso íntimo também comunicado, caíram de joelhos e repetiam intimamente:
– Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento.
Passados os primeiros momentos, Nossa Senhora acrescentou:
– Rezem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra.
Em seguida, começou-Se a elevar serenamente, subindo em direcção ao nascente, até desaparecer na imensidade da distância. A luz que A circundava ia como que abrindo um caminho no cerrado dos astros, motivo por que alguma vez disseram que viram abrir-se o Céu.
O medo que sentiram não foi propriamente de Nossa Senhora, mas sim da trovoada que pensaram lá vir; e dela, da trovoada, é que queriam fugir. As aparições de Nossa Senhora não infundem medo ou temor, mas sim surpresa. Quando lhe perguntavam se tinha sentido e dizia que sim, referia-se ao medo que tinha tido dos relâmpagos e da trovoada que supunha vir próxima; e disto foi do que quiseram fugir, pois estavam habituados a ver relâmpagos só quando trovejava.
Os relâmpagos também não eram propriamente relâmpagos, mas sim o reflexo duma luz que se aproximava. Por verem esta luz, é que diziam, às vezes, que viam vir Nossa Senhora; mas, propriamente, Nossa Senhora só A distinguiam nessa luz, quando já estava sobre a azinheira. O não saberem explicar e querer evitar perguntas foi que deu lugar a que umas vezes disséssem que A viram vir, outras que não. Quando diziam que sim, que A viam vir, referiam-se a que viam aproximar essa luz que, afinal, era Ela. E quando diziam que A não viam vir, refería-se a que, propriamente Nossa Senhora, só A viam quando já estava sobre a azinheira.