No dia 13 de Junho celebrava-se, na freguesia, a festa em honra de St. Antônio. Era costume, nesse dia, abrir os rebanhos de madrugada cedo, e às 9 horas cerravam-se nos currais para se ir à festa. A mãe e irmãs de Lúcia, que sabiam quanto ela era amiga de festas, diziam-lhe, então:
– Sempre estou para ver se tu deixas a festa para ires para a Cova de Iria falar lá com essa Senhora!
Em esse dia ninguém lhe dirigiu palavra, portando-se, a seu respeito, como quem diz: Deixá-la! vamos a ver o que faz! Abriu, pois, o rebanho de madrugada, cedo, no intento de o cerrar no curral às 9, ir à Missa das 10 e, em seguida, ir para a Cova de Iria. Mas eis que pouco depois do romper do sol lhe vai chamar seu irmão: que viesse para casa, pois estavam várias pessoas que lhe queriam falar. Ficou, pois, ele com o rebanho e ela foi ver o que queriam. Eram algumas mulheres e homens que vinham dos sítios de Minde, dos lados de Tomar, Carrascos, Boleiros, etc., e que desejavam acompanhar-lhe à Cova de Iria. Disse-lhes que ainda era cedo e os convidou a irem junto à Missa das 8. Depois voltou para casa. Esta boa gente esperou por ela, no pátio, à sombra das figueiras.
A mãe e as irmãs mantiveram a sua atitude de desprezo que, na verdade, lhe era mais sensível e lhe custava tanto como os insultos. Aí pelas 11 horas, saiu de casa, passou por casa dos tios, onde a Jacinta e o Francisco esperavam, e lá foram para a Cova de Iria, à espera do momento desejado. Toda aquela gente os seguia, fazendo-lhes mil perguntas. Em este dia, ela sentia-se amarguradíssima. Via a mãe aflita, que queria a todo o custo obrigar-lhe, como ela dizia, a confessar a mentira. Lúcia queria satisfazê-la e não encontrava maneira sem agora mentir. A mãe tinha, desde o berço, infundido em seus filhos um grande horror à mentira e castigava severamente aquele que dissesse alguma.
– Sempre – dizia a mãe de Lúcia – consegui que meus filhos dissessem a verdade; e agora hei-de deixar passar uma coisa destas na mais nova?! Se ainda fosse uma coisa mais pequena...; mas uma mentira destas que traz aí enganada já tanta gente!...
Depois destas lamentações, voltava-se para Lúcia e dizia:
– Dá-lhe as voltas que quiseres! Ou tu desenganas essa gente, confessando que mentiste, ou eu te fecho em um quarto onde não possas ver nem a luz do Sol. A tantos desgostos, faltava-me que se viesse juntar uma coisa destas!
As irmãs tomavam o partido da mãe e em volta dela respirava uma atmosfera de verdadeiro desdém e desprezo. Lembrava-se, então, dos tempos atrasados e perguntava-se a ela mesma: Onde está o carinho que, há tão pouco ainda, a minha família me tinha? E o seu único desafogo eram as lágrimas derramadas diante de Deus, enquanto Lhe oferecia o seu sacrifício.
A Jacinta, quando a via chorar, consolava-a, dizendo:
– Não chores. Decerto são estes os sacrifícios que o Anjo disse que Deus nos ia enviar. Por isso, é para O reparar a Ele e converter os pecadores que tu sofres.
Ao aproximar-se a hora em que devia partir para a Cova de Iria, senti-se de repente impelida a ir, por uma força estranha, a que não era fácil resistir. Pos-se, então, a caminho e passou por casa dos tios a ver se ainda lá estava a Jacinta.
Então, com um semblante já alegre, partiram. O povo esperava-os em massa pelos caminhos e a custo conseguiram lá chegar.
Depois de rezar o terço com a Jacinta e o Francisco e mais pessoas que estavam presentes, viram de novo o reflexo da luz que se aproximava (a que chamavam relâmpago) e, em seguida, Nossa Senhora sobre a carrasqueira, em tudo igual a Maio.
– Vossemecê que me quer? – perguntou Lúcia.
– Quero que venhais aqui no dia 13 do mês que vem, que rezeis o terço todos os dias e que aprendam a ler. Depois direi o que quero.
Lúcia pediu a cura dum doente.
– Se se converter, curar-se-á durante o ano.
– Queria pedir-Lhe para nos levar para o Céu.
– Sim; a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração. A quem a (devoção ao Coração Imaculado de Maria) aceita, prometer-lhe-ei a salvação e estas almas serão amadas de Deus, como flores colocadas por Mim para enfeitar o Seu Trono.
– Fico cá sozinha? – pergunta Lúcia, com pena.
– Não, filha. E tu sofres muito? Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus.
Foi no momento em que disse estas últimas palavras que abriu as mãos e nos comunicou, pela segunda vez, o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como que submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte dessa luz que se elevava para o Céu e eu na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora, estava um coração cercado de espinhos que parecia estarem-lhe cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que queria reparação.
Eis ao que se referiam, quando diziam que Nossa Senhora os tinha revelado um segredo em Junho. Nossa Senhora não os mandou, ainda desta vez, guardar segredo, mas sentiam que Deus a isso os movia.
– Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei a Jesus, muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria.